Primeiras Palavras
Desde julho, quando publicamos nossa última edição especial, como verão neste número, muita coisa aconteceu. Seja na pandemia, seja no campo da política sexual. Mais uma vez, as páginas que se seguem são bastante densas, mas lembramos que as sessões são relativamente autônomas e podem ser lidas separadamente. Para facilitar a leitura, agora disponibilizamos também a versão em PDF de nossa análise (acesse e baixe aqui).
Nesta edição, temos o enorme prazer de contar com quatro colaborações excepcionais. A primeira delas é uma entrevista exclusiva com o cientista político Massimo Prearo sobre a política antigênero do Vaticano, examinada a partir do debate legislativo que, na Itália, devolveu a Lei Zan contra crimes de ódio ao estágio inicial de tramitação. Sandra Valongueiro, médica feminista pernambucana, produziu uma excelente nota técnica sobre os trágicos indicadores de morte materna no Brasil no contexto da COVID-19. A socióloga Codou Bop nos traz um breve balanço dos impactos de gênero da pandemia no Senegal. E republicamos artigo de Françoise Girard, sobre as ameaças ao direito ao aborto nos EUA (originalmente publicada no Ms Magazine). Agradecemos a generosidade dessas parcerias.
Também lembramos que, em setembro, foi lançada a versão em português de Políticas Antigênero na América Latina: Estudos de Caso – Versões Condensadas. E, em outubro, em parceria com ABGLT, ANTRA, Ação Educativa, CLADEM, CONECTAS, IPAS e NUH-UFMG, publicamos o relatório Ofensivas Antigênero no Brasil – Políticas de Estado, Legislação, Mobilização Social, que compila informações sobre a conversão dos bordões ideológicos antigênero de campanha em políticas governamentais e normas legais.
Boa Leitura!
Equipe SPW
Sonia Corrêa, Fábio Grotz e Nana Soares
Estado da Pandemia
Como já anunciado em nossas edições anteriores, a pandemia de COVID-19 não vai refluir tão cedo. Depois de cinco milhões de mortes, seu caráter sindêmico é mais que evidente. Há novos surtos em países em que a pandemia parecia controlada, como Rússia, Hungria, Vietnã e mesmo a China, com um novo surto em Wuhan. Mesmo governos que tiveram uma resposta excepcional, como a Nova Zelândia, já abdicaram da estratégia “covid zero” para adotar políticas de “convivência com o vírus” e conter situações muito fora da “normalidade”.
Felizmente, o avanço da vacinação tem mantido o vírus sob controle, ao menos em relação a sua gravidade, fazendo com que vários países estejam relaxando parcial ou totalmente as medidas de excepcionalidade. No momento em que fazemos este balanço apenas dois países não haviam iniciado suas campanhas de vacinação: Coreia do Norte e Eritreia. Onde há vacinas suficientes, os lockdowns agora dão lugar a medidas de persuasão ou mesmo coerção, em maior ou menor grau, das pessoas que decidiram não se vacinar, com estados e empresas privadas exigindo certificados de vacinação (veja África do Sul, Zimbábue, Brasil, EUA, Itália). Mas, globalmente, o acesso a vacinas permanece vergonhosamente desigual – o que, no médio prazo, compromete a efetividade da vacinação pois, segundo estudo publicado na Science, favorece o surgimento de novas cepas resistentes às tecnologias vacinais hoje disponíveis.
Além disso, só agora começam a ser consistentemente averiguados os impactos da COVID-19 a partir dos diferenciais de classe, raça, etnia, idade e localização geográfica. No Brasil, matéria publicada pela Revista Piauí, com base em estudo da Rede de Pesquisa Solidária, mostra como a letalidade por COVID-19 se distribui através dos diferentes setores do mercado de trabalho, revelando, sobretudo, que em todos eles ser negro ou ser mulher é sempre fator de maior risco. Para aprofundar essa discussão, recomendamos o vídeo debate do Workshop sobre Racismo e Saúde, realizado pela ABIA com participação de Lúcia Xavier.
Finalmente, começam a ficar disponíveis evidências biomédicas sobre os efeitos da pandemia em termos de morbidade de longo prazo, alguns dos quais são graves, como é o caso da redução da capacidade pulmonar, apneia do sono e fibrose pulmonar, arritmias e miocardite. Essas morbidades são uma outra forma pela qual a pandemia vai continuar conosco por muito tempo.
Hesitação vacinal: padrões e efeitos
Pela primeira vez desde 2020 a América Latina já não é o epicentro da pandemia. Como dito, há novos surtos em países em que a crise parecia contida, como o Vietnã, que vinha controlando muito bem os novos casos e mortes. Mas o mesmo ocorre nos EUA onde, em setembro, voltou-se ao patamar de 2 mil mortes diárias, e também na Rússia, onde se registram os piores números desde o início da pandemia. Em ambos os casos, os surtos são explicados por altas taxas de hesitação vacinal.
Na Rússia, apenas um terço da população se vacinou e as estatísticas oficiais são criticadas por cientistas, que acusam o governo de subnotificar os dados nacionais. A desinformação antivacina é tão disseminada que o YouTube, ao anunciar o banimento de todo o conteúdo antivacina disponível na plataforma, afetou dois canais estatais – fazendo com que o governo de Putin ameaçasse bloquear o YouTube no país. Nos EUA, multiplicam-se os argumentos religiosos contra a vacina, o uso de máscaras e os ataques a profissionais de saúde. Uma reportagem do NYTimes analisa esse insólito cenário de repúdio a medidas de saúde pública vivenciado no país campeão da mortalidade por COVID-19, com mais de 700 mil mortes.
Mas, como mostra a reportagem em vídeo da DW, o movimento antivacina está pelo mundo todo e vem se radicalizando – da Jamaica aos países europeus, em especial na Europa do Leste, onde um novo surto está em curso. Protestos na Austrália e na Eslovênia foram contidos pela polícia e, na Itália, líderes de extrema-direita foram presos nas manifestações. A França é outro caso emblemático, pois as pessoas que repudiam os chamados “passaportes vacinais” têm organizado sucessivos protestos que, repetindo um padrão a que se assiste desde 2020, são endossados tanto pela direita como pela esquerda. Para incentivar a vacinação, o governo suspendeu a gratuidade dos testes de detecção de COVID-19. Segundo Philippe Marlière, em artigo para o Open Democracy, a resposta francesa à pandemia não foi exatamente exemplar e a política do “passaporte vacinal” teve muitos problemas. Mas, segundo o autor, ao convergir com a direita na resistência à vacina, a esquerda legitima discursos conspiracionistas e extremistas.
Além disso, o repertório estético e o vocabulário progressista foram apropriados pelos movimentos antivacina. Na Colômbia, como já havia acontecido nos EUA em 2020, esses grupos têm usado o lema feminista “meu corpo, minha decisão”. E, em setembro, simultaneamente nos EUA e no Brasil, surgiram nos protestos antivacinas e em outras mobilizações, como as marchas de apoio a Bolsonaro no 7 de setembro, pessoas que se autodefinem como “transvacinadas”. Quando o termo é buscado no Google, o que aparece são sites de venda cuja propaganda sugere que seus produtos são piadas, memes, mero sarcasmo. Contudo, essa onda não é neutra, tendo dois objetivos políticos muito bem definidos: promover a recusa da vacina e o repúdio à transgeneridade, pois o bordão “eu me sinto vacinada/o” busca, claramente, desqualificar a experiência psíquico-corporal da identidade de gênero.
Finalmente, no Brasil, apesar da ampla aceitação popular à vacinação, o repúdio à imunização continuou sendo abertamente promovido por Bolsonaro e suas bases. No dia 21 de outubro, o presidente disse em uma live, sem nenhum pudor, que quem havia tomado as duas doses da vacina pode ter contraído o vírus do HIV. Esse ato de fala provocou um amplo repúdio político e social e Bolsonaro foi suspenso do YouTube por uma semana (saiba mais sobre a repercussão aqui). A mesma punição se aplicou a canais bolsonaristas que republicaram a live depois de suspensa.
O abismo da desigualdade vacinal
Apenas uma minoria de países cumpriu a meta de vacinação estabelecida pela OMS até setembro de 2021, havendo uma desigualdade brutal a depender da região. Na América Latina, 4 em cada 10 habitantes estavam totalmente vacinados – número longe do ideal mas muito à frente dos parcos 4% da população do continente africano totalmente imunizada no mesmo período. Ao mesmo tempo, evidências científicas somadas ao lobby da indústria farmacêutica fizeram com que a dose de reforço se tornasse uma realidade em boa parte do mundo. Na Europa, enquanto as pessoas mais velhas recebiam o booster, 4 milhões de imigrantes não documentados seguiam impossibilitados de receber suas primeiras doses.
Mas sobretudo é preciso mencionar o retumbante fracasso de iniciativas de distribuição de vacinas para países de baixa e média renda. As assimetrias foram tantas que, como informa matéria da Reuters, o Reino Unido recebeu mais doses via mecanismos internacionais do que Botsuana. Uma excelente reportagem, em inglês, do Bureau of Investigative Journalism examina os obstáculos enfrentados pelo mecanismo COVAX criado para superar essas desigualdades. A ausência de um maior investimento dos Estados Unidos foi certamente um deles, mas também faltou análise dos riscos e como mitigá-los. Por exemplo, sequer se considerou que a distribuição poderia ser interrompida caso a Índia, grande fornecedor de insumos, priorizasse a demanda interna. A meta inicial da COVAX era distribuir 2 bilhões de doses até setembro de 2021, mas conseguiu apenas cerca de 330 milhões, representando meros 5% das doses aplicadas no mundo.
Esse abismo vacinal foi objeto de debate na reunião do G-20 de Roma, que acontecia quando esse informativo estava sendo finalizado. Os chefes de Estado do grupo estabeleceram a meta de 70% de toda população mundial vacinada até julho de 2022 e criou-se uma Força Tarefa para Financiamento da Saúde cuja prioridade será garantir condições para que a meta seja cumprida.
Na reunião também se fez um apelo para a transferência voluntária da tecnologia de mRNA para acelerar a produção de vacinas mais eficazes. Segundo a Reuters, essa proposta tende a congelar o debate sobre a suspensão de direitos de propriedade intelectual (waiver), originalmente promovido por África do Sul e Índia e hoje apoiado pelo governo Biden. Como tem sido apontado por pesquisadoras/es e ativistas, como a Campanha Feminista por Vacinas, essa suspensão garantiria não só uma melhor resposta global à COVID-19 mas também contribuiria para equalizar discrepâncias econômicas e tecnológicas entre o Norte e Sul. Do ponto de vista da dinâmica geopolítica da vacina em curso desde 2020 (leia aqui compilação do primeiro ano de pandemia), é interessante referir que, em Roma, o presidente da China, Xi Jinping, incluiu a adoção do waiver na sua lista de oito prioridades, contrastando com a relutância da maioria dos líderes ocidentais de aceitar a flexibilização.
Diferenciais de gênero no acesso à vacina
Como sublinhamos na última edição deste boletim, assim como há importantes discrepâncias no número de casos e na mortalidade quando se consideram diferenciais de raça, etnia, renda e local de moradia, também há diferenças de gênero muito significativas na cobertura vacinal. Essa é uma das razões pelas quais acesso à vacinas também é uma luta feminista, e por isso recomendamos a série de podcasts produzida pela Rede DAWN, cujo episódio de abertura é uma conversa entre Sonia Corrêa e Gita Sen.
Hoje, quando na maioria dos países as campanhas de imunização avançam, as disparidades de gênero ficam mais evidentes. Os motivos são a desinformação sobre a vacina, especialmente boatos sobre efeitos negativos na fertilidade (que têm sido um problema na Gâmbia), o fato de que mulheres e meninas precisam de autorização de maridos e pais para se vacinar e, em muitos casos, a falta de priorização das mulheres nos planos de imunização. No Sudão do Sul, no Gabão e na Somália, as campanhas apenas começaram, mas as mulheres são menos de 30% das pessoas vacinadas. Da mesma maneira, na Índia, que aplicou mais de um bilhão de doses, apenas 37% delas foram usadas para vacinar mulheres. É importante chamar atenção para essas disparidades, pois elas não irão desaparecer mesmo quando seja equacionado o abismo vacinal entres países ricos e de renda média e baixa, pois o que as determina são as normas culturais de gênero que não são transformadas da noite para o dia.
A vacinação em massa fez também explodir os relatos de alterações nos ciclos menstruais após a aplicação da vacina. Embora este seja um efeito comum em outros imunizantes, foram simplesmente ignorados nos estudos que desenvolveram as vacinas contra a COVID-19, como detalha esta reportagem na Al Jazeera. Apenas agora, 7 bilhões de doses depois, criam-se os primeiros grupos de trabalho para explorar esta relação.
Impactos de gênero da pandemia, inclusive na saúde e direitos sexuais e reprodutivos
Além dos diferenciais vacinais entre homens e mulheres, passados quase dois anos desde que os primeiros casos de COVID-19 foram detectados na China, é possível fazer um balanço dos impactos de gênero da pandemia num sentido mais amplo.
Desde 2020, estudos e matérias da imprensa alertam para o aumento da violência de gênero por efeito das quarentenas. Hoje estão disponíveis indicadores mais consistentes mostrando que a chamada “epidemia silenciosa” foi extensa. Nos EUA, os casos de violência doméstica aumentaram 8.1%; na Europa, conforme os lockdowns se afrouxavam, aumentavam os casos de feminicídio – uma manifestação da “perda de controle” com o fim do confinamento, segundo ativistas. Em Camarões e em Uganda, um terço das mulheres/meninas experienciaram violência durante o confinamento e outros países do continente africano, como Tunísia e Cabo Verde, lançaram linhas de ajuda para as mulheres nesta situação. Os efeitos também foram dramáticos no Senegal, como relatou a socióloga e ativista Codou Bop em artigo exclusivo. Na Ásia, foi possível observar que com a quarentena aumentaram os relatos de violência causados por parceiros atuais ou membros da família, ao passo que diminuíram os de ex-parceiros. Além disso, na América Latina, um dos impactos da pandemia foi um apagão nos registros de casos de feminicídio. Os números caíram de 5400 para 1445, segundo o Mapa Latino-Americano de Feminicídios.
A pandemia também interrompeu o progresso dos últimos 25 anos no combate ao casamento infantil, como pode ser verificado no relatório COVID-19 and Child Marriage, com prevalências alarmantes em países da África Subsaariana como o Zimbábue e Gana. E os seus efeitos foram devastadores no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. A ONU estima que 14 milhões de mulheres deixaram de ter acesso à contracepção ou serviços de apoio a vítimas de violência, e nem mesmo há como avaliar corretamente os impactos das suspensões das aulas no que diz respeito a expor ainda mais meninas e adolescentes aos riscos da violência sexual. Só no Peru, a pandemia fez regredir avanços dos cinco anos anteriores, registrando-se 15 mil gravidezes de meninas.
Sobretudo, a pandemia teve um impacto dramático nos indicadores de morte materna. Mesmo que os números sejam muito desiguais ao redor do mundo (a média global é de 211 mortes por 100 mil nascidos vivos, mas chega a 415 nos países pobres e a impressionantes 1.1 mil no Chade e no Sudão do Sul, enquanto não passa de 4 e 8 em Portugal e Espanha), a gravidade da situação fez com que a OMS lançasse novas metas e marcos a serem cumpridos até 2025. No caso da América Latina, os estudos regionais do CLACAI, que publicamos na edição passada, informam sobre a gravidade da situação em vários países. Desde então, no caso do Brasil foram disponibilizados dados atualizados mostrando que a situação, assim como o panorama geral da letalidade por COVID-19, é, de fato, catastrófica.
Nota técnica preparada por Sandra Valongueiro especialmente para o SPW informa que em Boa Vista (RO) 50% das grávidas infectadas por COVID-19 morreram – e esse percentual é muito elevado em várias outras capitais. Isso se reflete na Razão de Morte Materna (RMM) que, em Recife, em 2021, foi de 148,7/100.000 nascidos vivos e no Rio de Janeiro chegou a 201,7/100.000, sendo que no caso das mulheres negras o número sobe para 223/100.000. Para entender a gravidade desses indicadores é preciso lembrar que, desde os anos 2000, a média da RMM nacional brasileira estava estacionada em 50-60/100.000.
As pesquisas também mostram que a população LGBTTIA+ foi negativamente afetada: além dos agravos na saúde mental, a piora nas condições socioeconômicas colocou a população trans brasileira em séria insegurança alimentar. E os impactos epidemiológicos nesta população não são conhecidos em sua real magnitude porque, como lembrou Duda Salabert em coluna no Nexo, os registros oficiais não a levam em conta em seus marcadores. Aliás, a população LGBTTIA+ como um todo passa por um apagão nas políticas públicas. Nos EUA, pesquisas da Human Rights Campaign evidenciaram os impactos econômicos e a hesitação vacinal nas pessoas LGBTTIA+ – ambos agravados nas populações negras, latinas e trans, também as mais vulneráveis à infecção. Um fato curioso é que no contexto de pandemia vários países retiraram as restrições para que homens gays e bissexuais doem sangue. Entre eles: Portugal, Holanda, Israel, Argentina, França, Alemanha, Reino Unido e agora a Austrália estuda mudar essas regras.
É preciso mencionar ainda os impactos da COVID-19 na mobilização social de grupos marginalizados, como a população LGBTTIA+, que teve de reinventar suas vidas e ativismos, e as trabalhadoras sexuais. No caso da comunidade LGBTTIA+, destacamos os efeitos das quarentenas nas organizações sociais e coletivos ativistas que, além de fornecerem serviços e insumos, são também espaços seguros de convívio social e ativismo (veja compilação sobre o tema no Brasil, no Paquistão, e no sul e leste da África). Já no caso das trabalhadoras sexuais, excelente artigo da revista digital In plainspeak sobre o contexto indiano descreve os impactos nessa população que incluem, além da queda na remuneração, a omissão no cuidado à saúde e impactos na saúde mental.
Economia e COVID-19
Como temos sublinhado, a outra face da crise causada pela COVID-19 é econômica. Embora vários países já alcancem os índices econômicos de antes da pandemia, não há dúvida que muitos dos impactos da crise sanitária serão de longo prazo. Uma reportagem do Washington Post, por exemplo, trouxe evidências robustas sobre os brutais retrocessos para mulheres no mundo do trabalho: foram mais de 54 milhões de mulheres saindo do mercado, sendo que 90% delas o fizeram definitivamente. Na América Latina foi flagrante o acirramento das desigualdades sociais, raciais e de gênero durante a pandemia. A elevada informalidade laboral e a fragilidade das políticas sociais podem ter implicado duas décadas de retrocesso das mulheres no mercado de trabalho, além de ter aumentado índices de violência e de vulnerabilidade das mais diversas maneiras, como visto na seção anterior.
O acirramento da crise econômica na região vem intensificando os fluxos migratórios para os Estados Unidos, multiplicando também os conflitos, deportações em massa de imigrantes e as violações de direitos humanos contra eles em todo o processo migratório. É particularmente grave a situação com imigrantes haitianos, nacionalidade que experimenta os maiores índices de rejeição nos pedidos de asilo e que tem maior chance de deportação baseada nos históricos criminais. O acirramento da crise, segundo escreveu a historiadora Edna Bonhomme em artigo, mostra uma vez mais a extensão e profundidade do racismo da sociedade norte-americana. Nesse contexto, a Human Rights Watch publicou uma análise de documentos internos do governo estadunidense que demonstra a intensificação dos abusos físicos e sexuais na fronteira nos últimos cinco anos (aqui em espanhol e em inglês).
Do outro lado do Atlântico, o Reino Unido vivencia uma crise de desabastecimento generalizada, com o desaparecimento de itens básicos. Na opinião do colunista Hélio Schwartsman, mais que a pandemia, esses efeitos decorrem das mentiras contadas na campanha do Brexit. Na ilha, um outro efeito invisível da COVID-19 foi o aumento das desigualdades de gênero no acesso à tecnologia. Com maior vulnerabilidade social, as mulheres têm ficado para trás na digitalização imposta pela pandemia, levando ao que se cunhou “pobreza digital”.
Por fim, ressaltamos que muitos dos impactos econômicos sofridos pelas mulheres têm relação com as próprias políticas de lockdown adotadas mundo afora. Logo no começo da pandemia escrevemos sobre o absurdo das segregações por sexo/gênero como medida de contenção da COVID-19, na época adotado por governos como do Panamá e do Peru. Mais recentemente, a Austrália, que foi um país “modelo” em sua resposta, viu seus casos aumentarem e saírem de controle no segundo semestre de 2021. Em Melbourne, o “lockdown mais longo do mundo” fechou setores com maior participação feminina e deixou abertas indústrias dominadas por homens, como a construção civil.
Perda significativa de renda e deterioração no acesso à saúde também estão documentados entre as trabalhadoras sexuais (leia sobre a situação em Singapura, EUA, África Subsaariana e um compilado global de 2020 no site da NSWP), o que fez com que ativistas indianas demandassem que as trabalhadoras sexuais tivessem acesso prioritário às vacinas.
E, certamente, há contextos nacionais, onde a crise tem sido ainda mais grave pois a má gestão da pandemia se sobrepõe à má administração da economia. O Brasil é, de novo, um caso icônico. A gestão negacionista da pandemia foi motivada pela obsessão em manter a economia funcionando a qualquer custo para atender os interesses empresariais e assegurar perspectivas eleitorais. Apesar do morticínio daí resultante, o governo ainda tem apoio de 50% das elites econômicas que, desde 2019, sustentam Bolsonaro em nome de reformas neoliberais extremas. Isso se dá mesmo quando o ministro da economia não consegue implementá-las – entre outras razões, porque restrições fiscais não são prioridade da base parlamentar de sustentação do governo. Dessa combinação decorre uma segunda catástrofe: há hoje, no Brasil, quase 20 milhões de pessoas passando fome e pela primeira vez em 20 anos a inflação chegou a dois dígitos. Nesse cenário desolador, uma mulher pobre e negra ficou presa por 18 dias porque roubou itens alimentícios no valor de R$21,69 de um supermercado em São Paulo. Enquanto isso, as pessoas muito ricas esbanjam o dinheiro “economizado” durante a pandemia consumindo vorazmente no mercado de luxo nacional que, entre 2020 e 2021, foi o mais lucrativo do planeta.
Política: normalização, novas crises, instabilidade, incerteza
No nosso último especial, escrevemos que a “anormalidade” política gerada pela COVID-19 estava se normalizando. Desde agosto, não só isso não arrefeceu como irromperam novas situações políticas extremas. A mais grave delas foi, sem dúvida, a tumultuada retirada militar norte-americana e o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão, que escancarou graves problemas de incompetência estratégica por parte dos EUA e também iluminou o fracasso (previsível) de projetos de democracia impostos pela força das armas.
A crise no Afeganistão saiu das páginas principais, mas não devemos perdê-la de vista, seja por suas implicações geopolíticas, seja em razão de seus efeitos catastróficos sobre a vida de mulheres, meninas e minorias. Não menos importante, a “queda de Cabul” reativou reflexões críticas sempre necessárias sobre as implicações de, impensadamente ou não, acoplar a defesa dos direitos das mulheres a ambições geopolíticas. Num olhar retrospectivo, resgatamos um artigo de Sonia Corrêa sobre os direitos das mulheres afegãs, publicado em 2002.
Mas é preciso dizer que muitos outros contextos estão hoje mergulhados em anormalidade extrema. Na Etiópia, o conflito armado na região do Tigray persiste (saiba mais aqui e aqui). No Sudão, um novo golpe militar coloca em risco um energético processo de redemocratização iniciado em 2019 e, na Tunísia, autogolpe do presidente Kais Said vai se “normalizando”. Essas regressões soam, lamentavelmente, como estertores da Primavera Árabe que comemorou dez anos em 2021. Na África Ocidental, um golpe militar derrubou o presidente Alpha Condé na Guiné e, na Ásia, o Camboja acaba de entrar para a lista das autocracias decorrentes da COVID-19. Já nos regimes autoritários instalados desde muito, ou a vida segue seu curso habitual ou o arbítrio e violência se agravaram. Esse é o caso da política de terra arrasada implementada pelo regime Ortega–Murillo na Nicarágua sob o olhar omisso e cúmplice das esquerdas globais e, especialmente, latino-americanas e brasileiras.
Da mesma forma, nas chamadas autocracias eleitorais – Índia, Sri Lanka, Hungria, Polônia, Brasil, El Salvador etc. – tudo continua mais ou menos como antes. No Brasil, a insuflação permanente promovida por Bolsonaro e sua base culminou com marchas de apoio ao governo em 7 de setembro. A virulência das manifestações foi respondida com vigor pelo STF e por setores do Congresso. Mas isso não conteve a agressividade, verborragia e insistência em pautas anti-institucionais do presidente e seu entorno. Há pelo menos duas novidades a mencionar nesse grupo de países: em outubro, na República Tcheca, o presidente Babis foi derrotado num pleito em que era favorito e o país se tornou exemplo de como se derrotam populistas de direita. Nas Filipinas, Duterte – hoje acusado de genocídio no Tribunal Penal Internacional – declarou que não vai se recandidatar, o que abre espaço para a oposição. Mas nem tanto, pois o presidente quer fazer da filha sua herdeira política.
E, nas democracias estáveis, também há algumas boas novas. Pela primeira vez em mais de 60 anos, a social democracia está de volta ao poder nos cinco países nórdicos. Mais ao sul, na Alemanha, a AfD (extrema-direita), apesar de sua forte presença na política digital, não foi bem nas recentes eleições parlamentares. Em outros quadrantes, contudo, assiste-se à radicalização, instabilidade e incerteza.
Começando pela França, Eric Zemour, um polemista racista, antifeminista e crítico feroz do multiculturalismo, adentrou com força na corrida presidencial de 2022, até aqui uma disputa entre Macron e Marine Le Pen. Nos EUA, o Partido Republicano dificulta a aprovação do megapacote de conversão energética e política social proposto pela administração Biden. E a recente vitória do candidato republicano a governador na Virgínia e os resultados ainda não definidos em New Jersey revelam a atração eleitoral da pauta ultraconservadora para além de Trump. Forças de extrema direita também estão acirrando, de maneira inédita, as eleições canadenses, nas quais Justin Trudeau, que antecipou o pleito, foi apedrejado num evento de campanha. (Saiba mais aqui)
A instabilidade e incerteza são ainda mais flagrantes na América Latina. No Equador e no Peru, as eleições presidenciais do primeiro semestre levaram a cenários tumultuados. No primeiro caso, o mandato de Guilherme Lasso, eleito num pleito intenso e complexo, hoje está politicamente ameaçado por motins prisionais, crise econômica pós-pandemia e também porque seu nome está na lista dos Pandora Papers sobre autoridades que investem em paraísos fiscais. No Peru, a crise inicial do governo Pedro Castillo examinada por Angel Pineda continuou se desdobrando apesar de suas reformas ministeriais.
E, como informa artigo do El País, o prospecto das eleições que acontecem a partir de novembro não é auspicioso. Segundo essa análise, a única exceção seria Honduras, onde a oposição gestada desde o golpe de 2009 poderá chegar ao poder. Mas isso não garante que os problemas gerados pela feroz economia extrativista serão facilmente superados. No outro extremo, no dia 7 de novembro, teve lugar, com resultados previsíveis, a farsa eleitoral encenada na Nicarágua depois da destruição sistemática da oposição. Seguem-se as eleições legislativas argentinas que, segundo tendências registradas nas primárias de setembro, prenunciam derrotas do governo em 18 dos 24 distritos do país, perda da maioria no Senado e de muitas cadeiras na Câmara dos Deputados. A crise econômica, problemas de gestão na pandemia e, sobretudo, fraturas internas no oficialismo explicam esse mau resultado de um governo que começou bem em 2019. Nesse cenário, ganhou visibilidade e credibilidade o economista libertário Javier Milei, candidato a deputado, cujo repertório político é francamente alinhado com o estilo e as posições das novas direitas transnacionais.
No Chile, o primeiro turno das presidenciais acontece no dia 21 de novembro e o cenário é muito paradoxal. As eleições se fazem sob impacto do estallido social de 2019, que contestou o neoliberalismo, nocauteou o governo Piñera, impactou o sistema político e abriu caminho para a reforma da Constituição legada pela ditadura. A reforma está em mãos de uma Convenção específica, presidida por uma mulher Mapuche, com paridade de gênero e cujos membros estão predominantemente situados à esquerda do espectro político. Mas no começo de outubro o nome de Piñera apareceu na lista dos Pandora Papers e, em seguida, o governo instalou estado de sítio na conflagrada região Mapuche.
No processo eleitoral em curso, José Antonio Kast, candidato de extrema direita, tomou a dianteira e tudo indica que será apoiado pela base partidária de Piñera. Se, por um lado, isso contrasta, abertamente, com a composição e a pauta da Convenção, por outro reflete a polarização histórica do país. Kast pode estar se beneficiando do “descrédito com a política” (foi muito alta a abstenção no plebiscito sobre a reforma constitucional). Mas seu desempenho também se explica pelo investimento sistemático que fez, desde 2017, para chegar ao poder, como informam um estudo do CIPER e os estudos de caso chileno da pesquisa G&PAL.
A política encontra a biopolítica na catástrofe brasileira
Desde o nosso primeiro especial temos feito leituras biopolíticas da pandemia para analisar como sua gestão ativou ou mesmo atualizou dispositivos estatais de vigilância e gerenciamento populacional em grande escala. Na edição de junho de 2020, dedicamos especial atenção ao debate provocado pelo controvertido artigo do filósofo italiano Giorgio Agamben sobre o uso estatal da pandemia para justificar estados de exceção. Mas na ocasião também observamos que essa chave de leitura, embora necessária, não deveria obliterar a lógica e os efeitos biopolíticos das estratégias de imunidade de rebanho que, naquele momento, estavam sendo adotadas no Brasil, EUA, Reino Unido, Suécia e México para “salvar as economias” e, por motivações políticas, pelas autocracias que governam a Nicarágua, Bielorrússia e Turcomenistão.
Esse entendimento era incontornável para quem olhava o cenário inicial da pandemia a partir do Brasil, país onde, como disse naquele mesmo momento o médico Arnaldo Litchenstein, diretor do Hospital das Clínicas da USP, a maneira pela qual o governo federal respondia à crise era uma política eugênica. Algumas vozes reagiram à afirmação sugerindo que ela era exagerada. Desde então, os demais países da lista acima mencionada ou mudaram suas políticas ou saíram do noticiário, mas as ações do governo Bolsonaro continuaram sendo pautadas, embora nem sempre explicitamente, pela lógica neo-Darwinista de sobrevivência dos mais aptos ou da negligência deliberada.
Em abril de 2021, quando o custo humano da pandemia já havia chegado a 400.000 mortos, foi instalada no Senado a Comissão Parlamentar de Inquérito da COVID-19 para investigar episódios de corrupção na compra da vacina COVAXIN. Contudo, como seria previsível nas condições brasileiras, o trabalho da CPI trouxe à tona uma profusão de evidências incontestáveis de que o governo federal e inúmeros agentes privados do campo da medicina tinham respondido à pandemia no modo “deixando morrer”. Embora em vários países problemas de corrupção e ineficácia na condução das políticas de resposta à COVID-19 tenham sido denunciados e investigados, o Brasil parece constituir um caso singular em que as instituições políticas evisceraram, de maneira sistemática, significados e efeitos nefastos de uma modalidade peculiar de gestão da pandemia.
Em outubro, quando a Comissão terminou seu trabalho, mais de 600.000 vidas haviam sido perdidas, a maioria delas pessoas cuja vulnerabilidade frente à pandemia se via agravada pela idade, por comorbidades e condições de classe, raça, etnia ou lugar de moradia. As evidências que a CPI trouxe à luz do dia, em particular no caso das condutas adotadas pela Prevent Senior, nos dizem que a afirmação feita pelo Dr. Litchenstein não era desmesurada, mas sim premonitória. Na etapa final de redação do relatório da CPI, contudo, o uso do termo “genocídio” para nomear o impacto diferenciado da COVID-19 sobre os povos indígenas foi objeto de um acirrado debate entre senadores e na própria sociedade. O texto final não usou o termo, mas adotou a linguagem correlata de “crime contra a humanidade” (no caso dos indígenas) e “epidemia seguida de morte” (no caso da população como um todo). Essas seções do relatório serão levadas ao Tribunal Penal Internacional, somando-se a outras seis ações de incriminação do governo Bolsonaro já recebidas por essa corte. O relatório também acusa o presidente e vários outras autoridades estatais de outros 22 crimes que devem ser investigados pela justiça brasileira.
Em razão dos jogos dúbios e incertos que dominam a dinâmica política nacional, muitas vozes têm levantado interrogações legítimas sobre o alcance e punição dessas violações de direitos humanos e outros crimes. Contudo, a exemplaridade dos resultados das investigações feitas pelo Senado, inclusive para além das fronteiras brasileiras, não deve ser minimizada. Não é, ao nosso ver, trivial que a manchete do Washington Post do dia 22 de outubro tenha sido: “Se Bolsonaro pode ser acusado de crimes, o mesmo se aplica a Trump?”.
Política Sexual na Pandemia
Ofensivas antigênero
Desde meados de 2021, as ofensivas antigênero parecem estar se descolando da dinâmica da epidemia para voltar a seu ritmo habitual mais diretamente vinculado à política. E, como veremos a seguir, entre agosto e outubro, foi intensa a movimentação política do neoconservadorismo e da direita. E é bastante notável que o significado e efeitos da COVID-19 não tenham tido maior visibilidade em muitos dos eventos listados a seguir, mesmo quando envolvendo países muito afetados pela pandemia. Esta seção também examina com maior detalhe embates mobilizados pelo feminismo “crítico do gênero” e faz um balanço sucinto de ofensivas específicas contra leis e políticas públicas.
Movimentações transnacionais
Em setembro o Papa Francisco visitou a Hungria e a Eslováquia e, neste último país, em conversa com um grupo de jesuítas, repetiu recomendações sobre o acolhimento pastoral dos homossexuais e, ao mesmo tempo, reiterou suas críticas ao “gênero” que, segundo ele, é um conceito abstrato que “exerce uma fascinação diabólica porque não se encarna”. Essa fala tinha endereço certo: o debate parlamentar em curso na Itália sobre a lei Zan de crimes de ódio e contra a discriminação. Como observou Massimo Prearo em entrevista exclusiva, a lei seria paralisada um mês mais tarde, inclusive por efeito de um argumento jurídico apresentado pelo Vaticano. Em seguida à passagem do papa, realizou-se, em Budapeste, a IV Cúpula Demográfica promovida pelo governo húngaro, desde 2018, para discutir o declínio da fecundidade na Europa e o “problema da migração”.
Em outubro, Marine Le Pen também esteve em Budapeste para discutir com o primeiro-ministro Orbán as “imposições” da União Europeia que, segundo ambos, infringem a “identidade constitucional de seus países” e, muito possivelmente, a Convenção de Istanbul estava na agenda. Uma outra conexão importante entre os dois países é o acordo de colaboração firmado pelo Collegium Intermarium – universidade criada pela organização ultracatólica polonesa Ordo Iuris – com o Institut de Sciences Sociales, Économiques et Politiques (ISSEP), fundado por Marion Marechal, sobrinha de Le Pen. Na Polônia, o Collegium comemorou seu primeiro aniversário com uma conferência sobre o tema do “cancelamento”. Não menos importante, um pouco antes da Cúpula do G-20, Vladimir Putin fez um longo discurso sobre as condições geopolíticas e a economia global, no Valdai Club Discussion, no qual vários parágrafos foram dedicados ao “problema do gênero”, especialmente contra gênero na educação e identidade de gênero na infância e afirmando que a “ideologia de gênero é um crime contra a humanidade”.
A movimentação também foi intensa na América Latina. Desde o começo de 2021 representantes do VOX, o partido espanhol, têm visitado a região para colher adesões à Carta Madrid. Em agosto, seu líder Santiago Abascal reuniu-se com membros do PAN e do PRI no México e os eventos provocaram fortes reações e polêmicas. Esse episódio de grande visibilidade estimulou a imprensa a mapear com mais precisão os contornos da plataforma ibero-americana de extrema direita que vai se materializando na região.
O Brasil foi outro palco de hiperatividade. No final de setembro, Bolsonaro, que em julho havia recebido uma líder da AfD, conversou (fora da agenda oficial) com dois ativistas antivacina alemães. Segundo a DW, a dupla, que também esteve com a Ministra Damares Alves, está sob vigilância do Estado alemão por propagar teorias de conspiração. Antes disso, em preparação para as marchas do 7 de setembro, o clube ultraconservador americano CPAC voltou a se reunir no país contando com a participação de dezenas de autoridades governamentais, ativistas brasileiras/os e atrizes/atores de fora do país (saiba mais aqui). No evento, que teve a liberdade como mote principal, o feminismo, o aborto e a identidade de gênero na infância foram alvos de ataques virulentos.
Em outubro, o Financial Times noticiou que a Digital Acquisition Corporation, empresa do deputado bolsonarista Luis Felipe de Orleans e Bragança, está alavancando financiamento para a plataforma digital que está sendo criada por Donald Trump. E, logo em seguida, durante o G-20 – quando Bolsonaro ficou isolado de seus pares (saiba mais aqui), cometeu gafes e foi conivente com agressões contra jornalistas – o Itamaraty anunciou que ele fará uma visita oficial à Rússia ainda em novembro de 2021.
No mesmo período, intensificou-se a diplomacia paralela que vem se desdobrando desde o começo de 2021, quando o governo Bolsonaro se tornou o novo líder das pautas conservadoras lançadas pelo governo Trump. Assim como acontece na Hungria, onde essa linha da política externa é conduzida por Katlin Novak (Ministra da Família), no Brasil é Angela Gandra, secretária Nacional da Família, quem lidera essas iniciativas. No começo de setembro, embora estivesse de férias, Gandra passou por Portugal e depois, na Espanha, participou de uma reunião de líderes políticos católicos e se encontrou com um juiz conservador da Corte Constitucional. Em seguida, na Ucrânia esteve no famoso Prayer’s Breakfast reunindo uma ampla gama de atores de direita e antidireitos LGBTTIA+ (leia o artigo de Jamil Chade que cobre todo esse périplo). Ainda em setembro, Gandra participou virtualmente do webinário da Political Network of Values (PNV) para avaliar uma década de políticas familiares na Hungria.
Em outubro, Gandra e Damares participaram como líderes do chamado Consenso de Genebra em cerimônia organizada pelo governo da Guatemala para marcar a adesão do país ao documento. Também estiveram em Genebra para uma série de atividades diplomáticas: reunião com países da Comunidade de Língua Portuguesa, uma audiência com o diretor da OMS, visita ao ACNUR, reunião com o chanceler húngaro e um painel coordenado pela OIT com participação dos governos da Hungria e Polônia para discutir a questão da conciliação entre trabalho e família. E, em reunião que aconteceu na Missão Permanente do Brasil para comemorar um ano de lançamento do Consenso, foi anunciada a adesão da Federação Russa ao grupo.
Embates mobilizados pelas correntes feministas antigênero
Enquanto tudo isso transcorria, agudas controvérsias se desdobravam mobilizadas pelas correntes feministas “críticas do gênero”. Como mencionado em edições anteriores, essas tensões não são novas mas têm ganhado escala e intensidade desde 2020 na Espanha, Reino Unido, Itália, Austrália e também na América Latina, especialmente no México. Não é possível resumir aqui a multiplicidade e teor de todos os embates que se deram nessa ecologia nos últimos meses em todos esses quadrantes. Mas oferecemos informação um pouco mais detalhada sobre o que tem ocorrido na Espanha e no Reino Unido, cuja visibilidade é maior e cujos efeitos globais são mais evidentes.
Na Espanha, essas tensões vêm se desenrolando sobretudo na relação com os partidos de esquerda (PSOE e PODEMOS) e estão relacionadas a debates legislativos. Ganharam grande proporção no ano passado nos debates em torno da Lei de Identidade de Gênero. Em junho, apesar de muitas tensões, a lei foi aprovada no Conselho de Ministros e encaminhada ao Parlamento. Mas no processo de tramitação em curso, que envolve inúmeras consultas, inclusive com a sociedade civil, as feministas antigênero retomaram os protestos contra o conteúdo da legislação e a decisão do PSOE de apoiá-la.
Já no Reino Unido as frentes de conflito são múltiplas, mais complexas e muito mais agudas. Há embates no âmbito das políticas públicas para identidade de gênero, tensões crescentes no contexto acadêmico que envolvem o direito à liberdade de cátedra, enfrentamentos com relação à linguagem inclusiva, debates na esfera político-partidária e, mais recentemente, surgiu uma nova rede LGBTTIA+ alinhada com essas correntes feministas. Alguns desses enfrentamentos, em especial no campo acadêmico, têm sido bastante extremados. Não menos importante, até alguns anos atrás, essas controvérsias eram assunto dos tabloides, mas hoje estão na pauta da grande mídia que os tem tratado de maneira bastante problemática. A compilação do que coletamos sobre o Reino Unido está organizada de modo a que leitoras e leitores possam por si mesmos ter uma visão mais precisa desses muitos campos de batalha.
Mas vamos focalizar, brevemente, os problemas e debates envolvendo a mídia britânica, pois repercutem muito rapidamente em outros contextos. E também porque o tratamento dado por esses veículos a tais embates, em especial a linha adotada pelo The Economist, tem associado os conflitos em torno do gênero ao “viés totalitário da esquerda”, replicando, sem o menor pudor, argumentos da direita mais extremada sobre “marxismo cultural”, “cultura woke” e “cancelamento”. Essa linha editorial é inaceitável no caso de um veículo que se reivindica como voz do liberalismo político.
No dia 7 de setembro o The Guardian publicou uma longa entrevista com Judith Butler, cujo título é “Precisamos repensar a categoria mulher?”. Algumas horas mais tarde, a pergunta sobre o feminismo antigênero em que Butler fazia uma conexão entre essas posições e a política de extrema direita dos dias atuais foi eliminada. O jornal alegou razões técnicas que foram questionadas pela pessoa que entrevistou Butler. A censura provocou muitas reações, como o artigo de James Factora, traduzido para português. Em outubro, no que parece ser uma reparação do erro, o jornal publicou um texto longo da filósofa no qual ela reitera a posição expressa na entrevista nos seguintes termos: “Não faz sentido para as feministas ‘críticas de gênero’ aliarem-se com poderes reacionários que têm em sua mira as pessoas trans, não binárias e queers. O tempo da solidariedade antifascista é agora”.
Se de fato se trata de reparação, a atitude do Guardian é, contudo, excepcional, pois como analisa artigo recente de Tara John na CNN, a imprensa britânica não tem sido exatamente equilibrada no tratamento desses debates e embates. Exemplo disso é a “carta” publicada pela BBC em outubro em que uma autora do campo feminista antigênero relata episódios em que mulheres lésbicas teriam sido coagidas a ter relações sexuais com pessoas trans descritas como “pessoas vis”.
Como relata, significativamente, o The Guardian em matéria do dia 4 de novembro, mesmo após inúmeras reações, inclusive uma carta assinada por 20.000 pessoas, a BBC relutou em reconhecer o caráter transfóbico do texto e só mais tarde removeria uma parte do conteúdo. Antes disso, contudo, a “carta” foi publicada pela BBC Brasil, sendo muito rapidamente criticada por Bia Pagliarini. Mas não houve nenhum movimento da BBC no sentido de garantir o contraditório, abrindo espaço para vozes trans contestarem a matéria no próprio veículo.
Finalmente, para entender a genealogia desses complicados campos de batalha, recomendamos um texto da feminista Sara Ahmed (em espanhol) que dialoga e amplifica os argumentos desenvolvidos por Butler no artigo do Guardian. Ahmed resgata ciclos longos dos debates feministas sobre gênero, mas também identifica convergências problemáticas entre as posições das correntes “críticas do gênero” e o conservadorismo de gênero.
Ofensivas em muitos quadrantes
Considerando o ambiente global antigênero acima descrito, não é surpreendente que desde agosto tenham sido muitos os alvos das ofensivas antigênero. Começando pelos Estados Unidos, ainda no primeiro semestre, a Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório sobre uma onda de ataques sem precedentes contra direitos trans nos legislativos estaduais. Em outubro, o Texas se juntou a outros sete estados banindo a participação de meninas trans em esportes femininos. Além disso, ofensivas contra educação sexual vêm assumindo novos contornos mais diretamente dirigidos a questões de diversidade sexual. Para ilustrar um efeito recente desses ataques, segundo artigo da New Yorker, a campanha vitoriosa do republicano Glenn Youngkin na Virginia teve como alvos a hesitação do retorno às aulas após a pandemia; o que o conservadorismo considera como uma intrusão da teoria crítica de raça nos currículos; e o respeito a normas fluidas de gênero em escola públicas.
Nesse sentido, não é trivial que o mesmo esteja acontecendo na Índia onde, assim como nos EUA, o repúdio do conservadorismo moral à educação sexual vem de longe. Em outubro foi noticiado que um novo manual para professoras/es que oferece orientações sobre abordar questões relacionadas à fluidez de gênero no ambiente escolar foi atacado por um conhecido site nacionalista hindu.
Na Europa do Leste, a Corte Constitucional da Bulgária, depois de mais de um ano, decidiu que a ratificação da Convenção de Istanbul seria inconstitucional, como havia proposto o Executivo, afirmando adicionalmente que o termo “gênero” deve ser sempre interpretado como sexo. Na Polônia, onde a ofensiva antigênero é sobretudo de repúdio às sexualidades diversas, as regiões ditas livres de pessoas LGBTTIA+, que foram sancionadas pela União Europeia, ameaçam deixar a União. E, na Hungria, onde o clima é semelhante, o órgão regulador da mídia ampliou a censura a conteúdos LGBTTIA+.
No Brasil, recente relatório produzido por organizações da sociedade civil examina como a ideologia de gênero está se traduzido, sistematicamente, em políticas públicas. Um giro crucial nesse sentido é o estabelecimento de políticas centradas na “família”, sendo que, no mês de outubro, o MMFDH realizou várias atividades relacionadas a essa nova diretriz (além das atividades internacionais já relatadas). Registram-se novas resistências no judiciário a que mulheres trans recorram à lei Maria da Penha. O Ministro da Educação declarou que não vai admitir “questões de gênero” nos livros didáticos e, em vários estados, avança a aprovação de leis que autorizam o homeschooling (que também se justifica como proteção das crianças à “ideologia de gênero”). E, nas trincheiras das batalhas linguísticas, a Secretaria Nacional do Audiovisual proibiu por decreto o uso de linguagem inclusiva nos editais para acesso a financiamento.
Contudo, na América Latina, a notícia mais preocupante vem do Chile, onde dois deputados do partido de José Antonio Kast enviaram um requerimento formal à Universidade do Chile requisitando informações sobre o campo dos estudos de gênero. Essa demanda sugere que poderemos assistir a uma escalada regional de ofensivas à produção de conhecimento em gênero e sexualidade no contexto regional.
Ofensivas anti LGBTTIA+
Desde agosto, são poucos os registros de avanços em relação aos direitos da população LGBTTIA+. Muito mais intensas foram as ofensivas, embora com intensidades diferentes. Como vimos na seção anterior, as investidas contra os direitos trans hoje são peça-chave das políticas antigênero em vários países. É, sobretudo, flagrante que essas ofensivas ganharam relevância no jogo político internacional, sendo disso exemplo o acirramento dos atritos entre Polônia e União Europeia.
Na Europa e na África Subsaariana, há países seja revendo as legislações de proteção da população LGBTTIA+, seja estabelecendo ou ampliando sua discriminação e criminalização. Mas as ofensivas, claro, não se dão apenas no plano das políticas estatais. Ocorrem também nas esferas cotidianas e criam um contexto de crescente vigilância, autocensura e repressão. É exemplo o caso de um professor secundário no Missouri (EUA) a quem foi “recomendado” retirar uma bandeira arco-íris da sala de aula e assinar um documento comprometendo-se a não tocar nos assuntos de gênero e sexualidade.
A OutRight Action International publicou um excelente relatório sobre censura a sites e conteúdos LGBTTIA+ em seis países: Indonésia, Irã, Rússia, Emirados Árabes Unidos, Malásia e Arábia Saudita, averiguando que o Irã é o país com o maior número de sites bloqueados. Mais informações sobre o relatório e suas reverberações estão em reportagens da Open Democracy e da Openly News.
Outra pauta que ganhou visibilidade nesses últimos meses são as mobilizações pela proibição das “terapias de conversão” destinadas a “curar” pessoas LGBTTIA+. Como ressalta reportagem do Volcánicas, essas práticas na América Latina e em outras regiões são de fato formas de tortura. Uma boa matéria do Openly News, em inglês, resgata a história desses “tratamentos”, hoje banidos em 13 países, inclusive no Brasil. Entretanto, como mostrou reportagem da Folha de S. Paulo, o braço brasileiro do Exodus, organização de filiação evangélica e que é referência para a “cura gay”, vai de vento em popa por aqui. Mais até do que no país de origem, os EUA, onde os “ex-ex-gays” jogaram a toalha. Para saber mais sobre o Exodus vale assistir ao recém-lançado documentário “Pray Away”, disponível na Netflix.
Europa
Na Hungria, a lei que baniu de escolas os materiais que abordavam homossexualidade e transgeneridade, aprovada em junho, já tem suas reverberações, como a proibição de quaisquer livros infantis com temática LGBTTIA+ e a classificação de filmes que abordem a população LGBTTIA+ de maneira positiva como impróprios para menores de 18 anos. As ofensivas antigênero e anti-LGBTTIA+ sedimentadas no país ecoam nas nações vizinhas, como a Lituânia e a Romênia, onde políticos nacionalistas e de extrema-direita também fazer avançar leis homofóbicas – foco dos protestos durante a última Parada LGBTTIA+ no país.
Outro bastião das ofensivas anti-LGBTTIA+, a Polônia vive um momento agitado em relação as suas regiões “LGBT-free”. Sofrendo ameaças de sanções econômicas da UE e do Conselho Europeu, ao menos três municípios revogaram a absurda classificação. Mas o governo nacional de Mateusz Morawiecki prontamente respondeu sinalizando uma possível ruptura com o bloco europeu. Seu argumento é o mesmo explicitado por Le Pen e Orban, em seu encontro recente: vários artigos dos tratados da UE violam a Constituição polonesa. Analistas ouvidos em matéria da Folha consideram que o rompimento é improvável, mas que essa tensões de fato abalam a coesão da União Europeia (leia mais sobre a Polônia nas matérias publicadas no O Globo, BBC, Openly e DW).
Na Bulgária, um centro de apoio para pessoas LGBTTIA+ foi atacado por um ativista de extrema direita. Já da vizinha Turquia vem uma notícia que se não é um avanço ao menos oferece algum alento: foram liberados os 18 estudantes que estavam presos desde 2019 por participarem de uma Parada LGBTTIA+. É importante dizer, contudo, que na Europa Ocidental também estão em curso ofensivas anti-LGBTTIA+. Na Itália, como já mencionado, o Senado devolveu o projeto de lei contra crimes de ódio ao seu estágio inicial (ler entrevista de Massimo Prearo). Na Espanha, por sua vez, aconteceu uma manifestação neonazista na Chueca, o bairro LGBTTIA+ de Madrid.
Ásia
Começando pela China, o país tem sido palco, nos últimos meses, de significativas investidas contra masculinidades não-hegemônicas e aperta o cerco contra as pessoas LGBTTIA+. A ofensiva contra “homens afeminados”, agora proibidos na TV Chinesa, foi anunciada pela Agência Nacional de Rádio e TV e faz parte de uma reformulação na mídia do país em nome de “um crescimento saudável da indústria e dos jovens” (ver texto no Global Voices sobre o assunto). Termos usados no universo LGBTTIA+ foram censurados nas redes sociais do país, bem como contas de ativistas que advogam pela inclusão do casamento homoafetivo no Código Civil. Não menos importante, uma grande universidade de Xangai está, sem nenhuma justificativa, catalogando todos seus estudantes “não-heterosexuais” .
Uma boa matéria no The Diplomat ressalta a resiliência do movimento LGBTTIA+ chinês nesse conflagrado contexto e destaca também o papel de ativistas em outros países, como Coreia do Sul e de Taiwan. Nesse último país, relata a mesma matéria, os ativistas batalham para fazer crescer a aceitação ao casamento homoafetivo – aprovado no país em 2019 mas que ainda enfrenta resistência da população. Por outro lado, vale registrar um caso trágico ocorrido na Coreia do Sul no primeiro semestre: uma militar do exército foi dispensada após cirurgia de redesignação de gênero. A dispensa foi anulada, mas tarde demais pois ela havia se suicidado. E, no Japão, um homem trans está processando o Estado para ter o direito à identidade de gênero sem procedimento cirúrgico, num caso que reacendeu o debate sobre os vieses da lei japonesa em relação a pessoas trans.
Já na Ásia Central, ataques homofóbicos no Cazaquistão e no Azerbaijão mobilizaram ativistas, que tentam fortalecer o movimento pró-direitos LGBTTIA+ na região. Um bom texto de Camila Arquette publicado no Global Voices compila as legislações dos países da região e reflete sobre o papel que o ativismo LGBTTIA+ pode desempenhar em alterar esses marcos. E há que mencionar que o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão tem implicações também nefastas para as pessoas cujo gênero e sexualidade não se conforma às normas dominantes, uma questão ausente dos debates internacionais centrados nos impactos sobre a vida de mulheres, meninas e minorias étnicas.
Mudanças legislativas importantes estão no horizonte de vários países. Em Botsuana, uma das poucas nações da região onde a homossexualidade é descriminalizada, houve uma tentativa de reverter a lei de descriminalização aprovada em 2019. A votação foi adiada e não há data definida para isso acontecer.
Contudo a situação é ainda mais grave em Gana, onde a homossexualidade já é crime e os ataques a pessoas LGBTTIA+ são frequentes. Como já relatamos, em maio um grupo de ativistas reunidos numa casa foram presos, ficaram detidos por muito tempo e continuaram sendo hostilizados depois de liberados. Desde julho, está em discussão um projeto que aumenta a punição para a homossexualidade, pune o “ativismo pró-LGBT” e encoraja as “terapias de conversão”.
A proposição conta com amplo apoio da população de Gana, bem como da Igreja Anglicana do país, que, inclusive, entrou em conflito com a hierarquia britânica que condena a lei. As igrejas são as grandes apoiadoras do projeto, que utiliza valores religiosos para defender o aumento da punição. Surpreendentemente, o presidente Nana Akufo-Addo, que já declarou que o casamento homoafetivo jamais seria aprovado em seu mandato, clamou por tolerância na análise do projeto.
Não só em Gana as igrejas cumprem este papel de incitar a homofobia e a transfobia, como mostra essa boa compilação, em inglês. Isso tem levado a coerção e censura, como no Quênia, onde o documentário “I Am Samuel”, sobre a vida de um homem gay, foi censurado pelo Kenya Film Classification Board em setembro. O filme, que usa doutrinas cristãs para advogar pelo casamento homoafetivo, foi acusado de blasfêmia e afronta à Constituição. Vale lembrar que há três anos um romance com temática LGBTTIA+ também foi censurado no país. Leia aqui a carta do diretor sobre a censura.
América Latina
Pela primeira vez, o Tribunal Constitucional do Peru vai se pronunciar sobre o direito a identidade de uma pessoa intersexo. O caso de Eidan – jovem que foi erroneamente registrado como sendo do sexo feminino, o que ocasionou em negação de atendimentos em saúde – promete ser um importante marco jurisprudencial. A ação inclui, além da mudança de nome e documento conforme sua identidade de gênero, a demanda que as limitações ao acesso a saúde com base no sexo legal sejam declaradas inconstitucionais. A advogada de Eidan detalha o caso em entrevista. Vale lembrar que, recentemente, foi aberta investigação contra o juiz Javier Vela em razão da declaração feita por ele que a homossexualidade é um “problema psicológico” e uma “anormalidade”.
Violência de gênero
Nos últimos três meses, o ativismo feminista teve sucesso em mobilizações contra violência de gênero. A começar pelos EUA onde Andrew Cuomo, então governador de Nova York, renunciou após denúncias de assédio sexual (lei no Nexo; Openly, Huff Post). Outra figura de renome, o cantor R. Kelly foi finalmente condenado por abuso sexual e crime organizado, numa decisão considerada um marco em particular para ativistas negras. O #MeToo também lançou uma movimentação pelo fechamento da fraternidade universitária Phi Kappa Psi, da Universidade do Kansas, após um caso de violência sexual. E, no Reino Unido, uma investigação jornalística da Al Jazeera, examinou denúncias de assédio sexual na Universidade de Oxford e outras instituições de ensino.
Mas as mobilizações são também intensas na África. Na Costa do Marfim, as feministas iniciaram uma grande movimentação para apoiar legalmente a mulher que acusa o Ministro da Reconciliação Kouadio Konan Bertin de estupro -, mantendo a conversa sobre violência e assédio acesa na mídia e no debate público. Na Tunísia, começou o julgamento do parlamentar Zouheir Makhlouf, um caso simbólico do #MeToo do país. O julgamento foi objeto de feministas, cujo mote foi “Meu corpo não é um espaço público”. Em Uganda, movimentos feministas conseguiram, finalmente, que a lei “anti-pornografia” de 2014, que proibia até mesmo a minissaia ou outros vestuários, fosse derrubada.
O mesmo acontece na Ásia. Na Índia, as mulheres lutam para criminalizar o estupro no casamento, que ainda se encontra em um limbo legal. No Azerbaijão, as feministas foram às ruas exigir respostas governamentais à explosão de casos de feminicídios e em Bangladesh ocuparam a internet contra a misoginia na imprensa.
Mas também há percalços a mencionar. A jornalista e ativista chinesa Sophia Huang Xueqin, que escreveu um relatório sobre assédio sexual e casos de agressão contra mulheres jornalistas do país, desapareceu em setembro. Ativistas de direitos humanos firmam que ela foi detida por “ativismo político” e a detenção foi confirmada pela polícia (leia mais sobre o caso, sobre o problema de violência doméstica no país e sobre o silenciamento de ativistas feministas). Mais recentemente, postagens sobre a estrela do tênis Peng Shuai também passaram a ser censuradas na imprensa depois que ela acusou o ex-vice-primeiro-ministro Zhang Gaoli de coagi-la a ter relações sexuais.
No Afeganistão, a ativista Frozan Safi foi provavelmente a primeira defensora dos direitos das mulheres a ser assassinada pelo Talibã depois de sua volta ao poder. Voltando à Europa, feministas também estão sob ataques dos estados na Bielorússia e Bulgária. O governo da Bielorússia vai fechar ONG e abrigo referência para mulheres vítimas de violência e na Bulgária, como já mencionamos, a ratificação da Convenção de Istambul foi considerada inconstitucional. Apontamos, em nossa última edição, que a Turquia, onde a Convenção foi adotada, deixou de ser um dos países signatários.
Na América Latina, no Uruguai, o novo guia de atuação para policiais em casos de violência doméstica e de gênero passou a exigir provas da violência. E, no Brasil, a lei Maria da Penha que desde sua aprovação em 2006 tem sido alvo de propostas de alterações continua sendo objeto de debate. Um deles, já referido, diz respeito ao acesso das mulheres trans à lei (leia no Estadão e na Istoé). E, no país onde os números de feminicídios, sobretudo de mulheres negras, não para de crescer, o deputado estadual Jessé Lopes (PSL-SC) compartilhou orgulhosamente a foto do encontro com Marco Antonio Heredia Viveiros – o ex-marido quase matou Maria da Penha. Segundo o deputado, a versão de Viveiros sobre o crime é “intrigante”.
Violência sexual em contextos humanitários
Um relatório explosivo, produzido por um painel independente da Organização Mundial da Saúde (OMS), identificou mais de 80 alegações de abuso sexual durante o surto de ebola na República Democrática do Congo. Pelo menos 20 funcionários da OMS foram indicados como envolvidos na perpetração da violência, que incluiu propostas de trabalho em troca de sexo e abortos forçados. Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, pediu desculpas e anunciou um plano de combate ao abuso sexual por parte de seus trabalhadores.
O escândalo, condenado pelo presidente da RDC, fez com que a União Europeia suspendesse o financiamento da OMS no Congo até serem apresentadas garantias de punições aos perpetradores e novos mecanismos de proteção. Resta saber se esse escândalo fará o órgão das Nações Unidas tomar medidas realmente efetivas contra esse crime, já que essa sequer é a primeira vez que tais denúncias vêm à tona: apenas neste ano, houve denúncias de abuso sexual por parte de trabalhadores humanitários também na República Centro-Africana e em Moçambique.
Política sexual: finalmente as boas notícias
Se você chegou até aqui fez bem, pois também há razões para comemorar. E vamos começar com os direitos sexuais e reprodutivos. A França garantiu o acesso gratuito a métodos contraceptivos a todas as mulheres de até 25 anos e a Espanha expandiu a fertilização in vitro gratuita para mulheres solteiras e LGBTTIA+. Na Ásia, a Indonésia finalmente aboliu o “teste de virgindade” para as mulheres que querem entrar para as Forças Armadas e, na Malásia, um ginecologista criou uma camisinha unisex, que deve chegar ao mercado em dezembro.
Estendendo esses direitos à esfera da reprodução social, o Estado argentino, assim como já acontece no Chile e no Uruguai, incorporou uma demanda histórica do movimento de mulheres que ganhou força na pandemia. A partir de agora o tempo dedicado ao cuidado com os filhos é reconhecido como tempo de trabalho a ser considerado na aposentadoria.
No campo dos direitos LGBTTIA+ vamos começar com a ONU. O Especialista Independente das Nações Unidas na proteção contra a violência e discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero, Victor Madrigal-Borloz, publicou a segunda parte de seu informe sobre os ataques a gênero no mundo: “Practices of exclusion”. Também no âmbito dos mecanismos internacionais de direitos humanos, 53 Estados solicitaram que o Conselho de Direitos Humanos da ONU adote medidas de proteção dos direitos humanos de pessoas intersexo.
Em Uganda, onde a homossexualidade é criminalizada, a ativista Cleopatra Kambugu conseguiu emitir novos documentos que respeitam sua identidade de gênero. Na Colômbia, Mike Durán, que não se identifica com os gêneros masculino ou feminino, foi a primeira pessoa a ser registrada oficialmente como “T”. No Nepal, a terceira opção de gênero entrou no Censo Nacional e, nos EUA, uma pessoa intersex recebeu um terceiro marcador em seu passaporte. Em Taiwan, um marco histórico foi merecidamente celebrado pela comunidade LGBTTIA+: a Corte Administrativa deliberou contra a obrigatoriedade de intervenções cirúrgicas para realizar a mudança legal de gênero.
Outra boa notícia veio da Suíça, que votou a favor do casamento homoafetivo por ampla margem em referendo realizado em setembro. Igualmente histórico – embora ainda não aprovado – é o novo código familiar cubano, que abre as portas para o matrimônio igualitário ao retirar a definição de casamento como uma união entre homem e mulher. No fim de outubro, os EUA também finalmente derrubaram uma lei discriminatória e agora viúvos/as em relações homoafetivas também têm direito a acessar os benefícios do cônjuge falecido.
Chegando na América Latina, dois estados mexicanos, Sonora e Querétaro também legalizaram o casamento homoafetivo. Além disso, a primeira unidade de saúde dedicada a pessoas trans foi aberta na Cidade do México e, pela primeira vez, crianças filhas de duas mães foram registradas como tal. Na Argentina a história de Luana, a primeira criança trans a obter seus documentos de acordo com sua identidade de gênero depois de aprovada a lei de 2012 virou um filme. Por fim, celebramos a instalação de uma CPI para investigar a violência contra pessoas trans e travestis na cidade de São Paulo, primeira iniciativa desse tipo no país que mais mata pessoas trans no mundo
Aborto: ameaças e avanços
Apesar de ganhos importantes que serão abordados a seguir, o cenário do direito ao aborto foi marcado, entre agosto e outubro, por retrocessos bastante significativos nos EUA que têm grande potencial de repercussão global. Mas também por sinais preocupantes vindos da China. Nos EUA, no início de setembro, a Suprema Corte rejeitou uma ação de inconstitucionalidade contra a lei aprovada no estado do Texas que proíbe a interrupção da gravidez após seis semanas, descartando exceções até mesmo para os casos de estupro e incesto. Desde setembro, a lei já foi suspensa e reativada pelo circuito regional da Justiça Federal, e a Suprema Corte começou a debater a decisão final sobre o caso na primeira semana de novembro (leia mais aqui, em inglês). A nova lei não pune diretamente as mulheres, mas estabeleceu um disque-denúncia que oferece às pessoas que ajudam mulheres que abortam recompensas de pelo menos 10 mil dólares. É tão forte a analogia com o modelo do velho oeste de caça a criminosos que ela foi usada pelo juiz Roberts, presidente da Corte, em debate com o procurador do Texas (artigo em inglês) na primeira seção de discussão final sobre a lei.
A decisão da Corte sobre essa lei draconiana pode ser, segundo defensoras/es dos direitos reprodutivos, mais um passo firme em direção à potencial derrubada de decisão Roe Vs Wade, de 1973, que descriminalizou o procedimento. Em nossa compilação destacamos a condenação enérgica da juíza Sotomayor contra a decisão e uma breve avaliação da jurista brasileira Eloisa Machado sobre as implicações da lei.
Mas o Texas não é o único estado em que se registram proposições regressivas em relação ao direito ao aborto. Parlamentares conservadores de Ohio apresentaram projeto ainda mais draconiano – que proíbe o procedimento em qualquer período da gestação. Um relatório do Alan Guttmacher Institute informa que, entre janeiro e junho de 2021, 561 propostas de restrição ao aborto, inclusive 165 que preconizam o banimento de acesso, foram introduzidas em 47 estados. No total, 106 tornaram-se lei. Esses retrocessos relativos à autonomia reprodutiva não são isolados mas estão associados a regressões legais em relação aos direitos LGBTTIA+ e direitos eleitorais da população negra. Em dezembro, a Suprema Corte vai debater o caso Dobbs Vs. Jackson Women’s Health Organization sobre a lei do Mississipi. Segundo Françoise Girard, essa decisão é mais uma potente ameaça ao direito ao aborto nos EUA, risco esse também analisado por Margareth Talbot na New Yorker.
Já na China o governo anunciou, no final de setembro, que o plano de políticas voltadas para as mulheres e crianças prevê que, ao longo da próxima década, o acesso ao aborto será restrito a casos com indicação médica. A mudança da política está diretamente associada à dinâmica de envelhecimento populacional e à redução da natalidade que, já em 2013, havia levado à flexibilização da política do filho único. Leia aqui nossa compilação com notícias e análises sobre a nova política chinesa.
Do ponto de vista histórico, essa confluência entre as potências que disputam a hegemonia econômica planetária no que diz respeito ao direito ao aborto não é exatamente trivial. Isso porque são distintas, para não dizer opostas, as trajetórias subjacentes à ampliação do acesso ao aborto legal e seguro, hoje ameaçada nos dois países. Nos EUA, o direito ao aborto foi resultado de lutas pela autonomia reprodutiva das mulheres que remontam ao final do século 19. Já na China a criminalização do aborto foi flexibilizada para atender a objetivos de política de controle da fecundidade estabelecida ao final dos anos 1970, cujos traços coercitivos foram, desde sempre, objeto de críticas feministas. Hoje, contudo, o governo chinês compartilha da mesma preocupação com a queda da fecundidade, manifesta pelas forças neoconservadoras antiaborto ocidentais que, por outro lado, têm o Partido Comunista chinês como um de seus principais alvos ideológicos.
Muito embora haja diferenças nas motivações e racionalidades que informam as respectivas posições, em ambos os casos os direitos das mulheres e pessoas que decidem sobre a procriação são expropriados, seja em benefício da lógica estatal, seja em nome de um mandato moral de base religiosa cristã. Pesquisas e reflexões mais sistemáticas se fazem urgentes para entender melhor essa insólita convergência.
Paralelamente, o campo de disputas em torno ao direito aborto continua conflagrado em muitas outras paragens. Por exemplo, na América Latina, onde merece destaque uma vez mais a estratégia farmacológica usada pelos grupos antiaborto: a chamada “pílula de reversão do aborto” que foi objeto de uma extensa investigação da Open Democracy. Outras iniciativas, apoiadas pela organização americana Heartbeat, que fazem publicidade enganosa e oferecem albergues a gestantes para convencer mulheres vulneráveis a não interromper a gravidez, foram investigadas pelo El País.
Também há ameaças e retrocessos a registrar nos cenários legislativos e da política de saúde. No Brasil, por exemplo, 100% dos projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados em 2021 são contrários ao aborto legal e começaram a pipocar propostas legislativas municipais de promoção de campanhas contra o aborto e métodos anticoncepcionais, como a da Semana pela Vida, aprovada pela Câmara Municipal de Fortaleza. Também foram registradas denúncias de que, no interior de São Paulo, planos privados de saúde estão exigindo autorização do marido para a implantação do DIU. Essas medidas inconstitucionais provocaram indignação e cobrança de órgãos reguladores e de fiscalização.
No Uruguai, o número de abortos legais caiu em 2020 pelo segundo ano consecutivo. Embora essa queda seja esperada após a legalização, segundo a imprensa e organizações feministas esse declínio pode ter sido provocado pela crise da COVID-19, mas também por formas sutis de resistência ao aborto que ganharam espaço com a eleição de um governo conservador em 2019. MYSU publicou uma nota técnica detalhada sobre o problema. Além disso, o parlamento debate um projeto de lei para assegurar o enterro ou a cremação de natimortos que, como observa Paula Delgado em artigo publicado na revista Búsqueda, pode ampliar ameaças ao direito ao aborto. Mais grave ainda, no começo de novembro a médica que coordena a área de saúde sexual e reprodutiva na Administración de los Servicios de Salud del Estado (ASSE) foi denunciada por haver coagido uma mulher para que ela não abortasse.
Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele, o mais novo autocrata regional, retirou do projeto de reforma Constitucional a possibilidade de legalizar o aborto terapêutico, revelando sua afinidade com setores religiosos conservadores, conforme relatou La Mala Fe. E, no México, assistiu-se uma cena deplorável na mobilização chamada pelas forças antiaborto contra a decisão da Suprema Corte de Justiça que descriminalizou o aborto (e que será analisada a seguir). Durante a marcha realizou-se um exame de ultrassonografia em uma adolescente grávida. Essa performance indecorosa foi condenada pelas organizações feministas, pela imprensa e foi objeto de nota de repúdio emitida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Também causou repúdio o caso de uma menina boliviana de 11 anos que, grávida após ser sistematicamente estuprada durante meses por um familiar, iniciou o protocolo medicamentoso garantido por lei para interromper a gestação, mas não o completou. Motivo: pressão da Igreja Católica e de movimentos conservadores.
Chamamos atenção para dois excelentes recursos para análise dos retrocessos em relação ao direito ao aborto. Objeção de consciência (OC) é hoje em todo mundo um dos maiores obstáculos ao exercício do direito ao aborto mesmo em casos legais. Nesse sentido, o Mapa Global das Regras de OC, elaborado pela rede argentina REDAAS, é um recurso excepcional para pesquisa e ativismo. O segundo recurso é outra matéria panorâmica do El País sobre o estigma do aborto que ouviu a experiência de mulheres que abortam em condições de clandestinidade ou sob coerção.
Finalmente, enquanto fechávamos esta edição, o caso de uma jovem polonesa morta por falta de atendimento médico personificou os dramas e tragédias vinculados a legislações que proíbem a prática. Segundo ativistas, trata-se da primeira morte após o endurecimento da lei de aborto no país europeu no início do ano. Após protestos pelo país, o Ministério da Saúde emitiu instruções garantindo o direito ao aborto para gestantes com saúde em risco.
Mas há também boas notícias
No México, a Suprema Corte de Justiça descriminalizou o procedimento ao considerar inconstitucional uma lei estadual que penaliza ao aborto, dando um novo passo importante para garantir a autonomia reprodutiva na América Latina. A decisão se seguiu a uma diretriz da Procuradoria Federal orientando os judiciários locais a reverem com a maior brevidade possível as condenações de mulheres que estão presas ou indiciadas. Saiba mais sobre a decisão aqui e aqui.
No Chile, a Câmara dos Deputados aprovou que a proposta de legalização do aborto até a 14ª semana de gestação seja levada à discussão no Parlamento, decisão importante que, contudo, terá longo percurso no Legislativo. E, na Colômbia, a ação levada pela Causa Justa à Suprema Corte clamando pela inconstitucionalidade da criminalização deve ser julgada muito em breve – esta matéria do Jornal El Tiempo informa sobre o estado do debate.
E, mesmo no Brasil, onde as condições são hoje decididamente muito desfavoráveis, um projeto de lei apresentado na Câmara Municipal do Recife para a adoção de uma campanha de repúdio ao aborto, nos moldes da lei aprovada em Fortaleza, foi rejeitada pela Câmara de Vereadores. Igualmente alentadora foi a condenação de Hospital no estado de São Paulo por quebra de sigilo médico no caso de uma mulher que, com dores e em trabalho de parto, foi denunciada à polícia por praticar autoaborto. Da mesma forma, no Uruguai, as ameaças de retrocesso acima relatadas têm sido respondidas com vigor pelo movimento de defesa do direito aborto, como pode ser visto no relato da conferência de imprensa que aconteceu no dia 4 de novembro.
E há boas novas de outros continentes. No Benin, o Parlamento aprovou a ampliação do acesso ao aborto legal, avanço comemorado pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia e analisado pela antropóloga Ramatou Ouedraogo. E, em San Martino, o direito ao aborto foi aprovado com ampla vantagem num referendo. Embora o país seja muito pequeno, a votação é importante porque deixa para trás uma das últimas legislações radicalmente punitivas na Europa ocidental (restam Andorra e Malta), mas também em razão da proximidade e influência do Vaticano.
Finalmente, a BBC publicou uma ótima matéria sobre uma série histórica de pesquisas de opinião feitas pela IPSOS sobre posições em relação ao aborto entre 2014 e 2021. Os resultados mostram, muito significativamente, que o apoio ao direito ao aborto está, em média, estabilizado. Mas vem se ampliando nos países onde as leis são mais restritivas ou onde hoje se registram fortes ofensivas contra mudanças legais e jurídicas ou com vistas a fazer retroceder leis existentes como, por exemplo, na Argentina, Brasil, Chile, EUA, Hungria, Itália, Malásia, México, Peru, Polônia e mesmo na Rússia.
Por fim, registramos as celebrações organizadas para o 28 de setembro (Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto). Compartilhamos a newsletter da Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro com relatos das ações realizadas ao redor do globo. Também recomendamos o artigo de Mariana Carbajal no Página 12, sobre as origens da data.
Multimídia
Português
Neoconservadorismo e políticas antigênero na América Latina: Olhares Brasileiros
Lançamento Nossos Corpos por Nós Mesmas (OBOS Brasil)
“Por onde anda o diálogo entre a fé cristã e o feminismo?” com Sonia Correa e Odja Barros
Fé e direitos humanos na América Latina
Espanhol
Discurso apertura Convención Constitucional Bárbara Sepúlveda
Conversaciones del GEFGS. 1. Sonia Corrêa
Fe, política y derechos humanos en Latinoamérica
Inglês
Calling out workplace sexual harassment in Ugandan markets
The Fastest Growing Plastic Surgery Trend in China
Indonesia: Diversity under threat
Publicações e artigos acadêmicos
Português
Políticas Antigênero na América Latina – Estudos de Caso (Versões condensadas)
Revista Periódicus | v. 1 n. 16 (2021): Intersexualidade: desafios de gênero
Espanhol
“Objeción de Conciencia en Cifras”: Datos de Uruguay al 2021
Inglês
Beyond Gender Wars and Institutional Panics: Recognising Gender Diversity in UK Higher Education (Sally Hines)
“Anti-Gender Politics in the Populist Moment” (Agnieszka Graff and Elżbieta Korolczuk)
“Queer Roma” (Lucie Fremlova)
International Feminist Journal of Politics, Volume 23, Issue 4 (2021): Feminism(s) and anti-gender backlash: lessons from Latin America
“Triumph and concession? The moral and emotional construction of Ireland’s campaign for abortion rights” (Aideen Catherine O’Shaughnessy)
SRHR and COVID-19 in Eastern Europe – snapshots from the region
“Neither angels nor heroes: nurse speeches during the COVID-19 pandemic from a Foucauldian perspective” (Mendes et al.)
“The Growth of the Anti-Transgender Movement in the United Kingdom. The Silent Radicalization of the British Electorate” (Craig McLean)
Publicações e Imprensa
Português
Relatório “Ofensivas Antigênero no Brasil: políticas de Estado, legislação, mobilização social”
Direitos reprodutivos: uma história de avanços e obstáculos
Aborto: uma breve história da legislação brasileira
O componente racial nas mortes maternas do Brasil
Nexo Debate: Direitos reprodutivos
‘A opressão de gênero é o pilar fundamental para todas as opressões’, diz antropóloga Rita Segato
Por que mulheres são mortas até hoje sob acusação de ‘bruxaria’
LGBTfobia de Bolsonaro atualiza moralismo da ditadura ‘hétero-militar’, diz Renan Quinalha
A feminina anti-feminista e o orgulho de ser submissa
Como a ‘girlboss’ foi de símbolo feminista a alvo de zombaria
Constelação Familiar: machismo às custas do SUS
Compromisso com a vida das mulheres: a médica à frente do primeiro serviço de aborto legal
De corpo e alma na luta: a enfermeira que batalha pelo aborto seguro há 40 anos
O passado liberal pouco conhecido do Oriente Médio sobre a homossexualidade
‘É preciso tirar política para saúde LGBTI+ do papel’
O mundo sombrio dos ‘incels’, celibatários involuntários que odeiam mulheres
Rompendo os binários e a reciprocidade intergeracional
A dor e a delícia das transmasculinidades no Brasil: das invisibilidades às demandas
O caso de mulher do Kansas que pode mudar forma de julgar estupros nos EUA
Por que prostitutas na Alemanha são contra lei que deveria protegê-las
Prostituição: por que governo socialista da Espanha quer criminalizar a prática
Espanhol
Las mentiras sexistas de la ciencia
El cerebro y la mente transexuales
Haití necesita un feminismo inclusivo, que defienda a todas las mujeres, también a las trans
Samantha Hudson, la “bujarra” que da caña al fascismo español
Paraguay se declara pro familia pero no protege a sus niños ni adolescentes
Inglês
“Men’s Rights Asians” Think This Is Their Moment
What I Learned From 10 Years Teaching Chinese Students About Gender
Foucault! Five leftist and feminist thinkers also inspiring the far Right
Online disinformation: a weapon to silence feminists
South Asia mourns Indian feminist icon Kamla Bhasin
Inside Nigeria’s unregulated human egg industry
Climate crisis and sexual and reproductive health and rights
A Feminist Accident: On Abortion And Reproductive Justice In Egypt
‘I feel invisible’: The challenges of being trans in Nigeria
‘I have accepted my fate’: the hidden abuse in Uganda’s LGBT community – in pictures
LGBTQI Movement And The Trade-Off: Public Health vs Rights
How the American Right Fell in Love With Hungary
India: 25 years on, Women’s Reservation Bill still not a reality
Activists in Russia Push to Make Domestic Violence a Voting Issue
A year on, women still picking up pieces from #EndSARS protests