Em novembro, na esteira do que vinha acontecendo desde outubro, as vozes feministas brasileiras continuaram em polvorosa. Uma verdadeira “ocupação feminista” tomou as ruas, as redes sociais, as colunas masculinas dos jornais e até mesmo a prova do ENEM, protestando contra violência e assédio sexual, clamando pelo direito ao aborto (cujas tensões do debate são analisadas em artigo de Angela Freitas), contestando a presença escassa de mulheres nos grandes veículos de comunicação. Sobretudo, resistindo a onda conservadora que grassa pelo país.
Essa presença massiva de mulheres na esfera pública contrasta, de maneira aguda, com o cenário carcerário no país. Segundo relatório divulgado pelo Ministério da Justiça, o número de mulheres presas cresceu 567% nos últimos 15 anos. Débora Diniz, que ocupou a coluna de Hélio Schwartsman na campanha #Agora ÉQue SãoElas analisou esse crescimento do ponto de vista da desigualdade de gênero. Maria Lúcia Karam, escrevendo especialmente para a página do SPW, alarga essa interpretação mostrando como os efeitos do encarceramento em termos de violações de direitos humanos atingem não só as mulheres presas mas também mães, irmãs e filhas de homens encarcerados.
A contrapelo da rebelião feminista em curso no país, o novo ministro da saúde deu uma declaração muito problemática acerca epidemia de bebês com microcefalia que atinge o país e que, segundo especialistas, pode ter sido ocasionada pelo vírus da zika. Segundo o Dr. Marcelo Castro “sexo é para amador, gravidez é para profissional’ e por essa razão a mulher que deseja engravidar precisa tomar os devidos cuidados, pois a “maternidade deve ser responsável”. A fala foi objeto de uma matéria do Correio Braziliense, e feministas e pesquisadores, ouvidos pelo SPW, condenaram duramente a declaração.
Novembro também ficará registrado na história como o mês trágico de ataques terroristas ao redor do mundo, em Beirute (Líbano) e notadamente em Paris, cuja repercussão foi global. A filósofa Judith Butler, que estava na capital francesa no dia dos atentados, comentou o episódio no qual 130 pessoas morreram, refletindo sobre os perigos embutidos na resposta das autoridades francesas para enfrentar a situação.
Enquanto finalizávamos a compilação do cenário das políticas sexuais que foram relevantes no mês, jornais, portais e redes de televisão noticiavam outro evento trágico: o ataque armado em uma clínica de aborto no Colorado (EUA) que matou três pessoas e feriu gravemente outras. No Brasil, apenas O Globo deu maior visibilidade a notícia, o que é lamentável, pois o recrudescimento das visões e iniciativas radicalmente conservadoras que assistimos no Brasil não está desvinculado dos processos de radicalização e violência contra o aborto legal nos EUA. Basta lembrar que um ativista norte-americano anti-aborto participou da audiência pública do Senado sobre para discutir a proposição legislativa de legalização do aborto (ver notícia SPW em inglês). Não tivemos tempo para desenvolver uma análise em profundidade do fato. Mas, organizamos uma compilação preliminar dos artigos e comentários sobre o evento (aqui e aqui).
Duas boas notícias, contudo, nos chegaram de outro cantos do mundo: Colômbia e de Portugal, que aprovaram a adoção para casais do mesmo sexo. No país sul-americano, a Corte Constitucional aprovou a adoção compartilhada de filhos, antes permitida apenas se a criança fosse filha biológica de um dos membros do casal. A decisão também chamou atenção por ser fundamentada tendo como base no direito da criança em ter uma família, e não no direito dos homossexuais. Em Portugal, a adoção foi aprovada após votação no Congresso.
Por fim, os direitos das pessoas intersexuais ganhou visibilidade entre 26 de outubro (Dia da Consciência Intersexual) e 08 de novembro (Dia Internacional Intersexual). Durante esse período uma série de excelentes artigos foram publicados em inglês, mas também espanhol, entre os quais Intersex rights and freedoms, de Morgan Carpenter, e The marks on our bodies, de Mauro Cabral (em inglês e em espanhol). Destacamos ainda a entrevista do relator da ONU para o direito à saúde, Dainius Püras, em que os direitos trans são discutidos a partir dos direitos humanos (em inglês). Também destacamos os artigos do site Brújula Intesexual, que traz uma seção específica sobre o Dia da Consciência Intersexual, além dos artigos Intersexualidad y derechos humanos e Mi cuerpo, de Laura Inter.
A ARC International também publicou o artigo de Arvind Narrain The Right Not To Be Mutilated: Intersex People and The Quest For Justice e é também importante destacar o lançamento do Fundo de Direitos Humanos Intersex Astrea, destinado a apoiar organizações, projetos e campanhas liderados por ativistas intersexuais.
SPW recomenda
Para marcar o Dia Internacional de luta contra a AIDS (1º de dezembro), o Observatório Nacional de Políticas de AIDS da ABIA lançou Pedagogia da Prevenção: Reinventando a prevenção do HIV no século 21, de Richard Parker. Em artigo publicado no jornal O DIA, o autor resume as propostas centrais desse documento que examina os desafios atuais de prevenção do HIV no Brasil e no mundo.
Anote
Confira a seção Arte&Sexualidade, que traz obras das artistas Karina Buhr e Rosana Paulino em diálogo com as novas manifestações feministas que têm tomado o país.