por Bárbara Mendes e Pedro Barbabela*
O movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, queer e pessoas intersexo (LGBTQI+), desde seu surgimento em 1970 até os dias atuais no Brasil, se relacionou e se inseriu de diferentes formas na política institucional e partidária. As atuações nessas arenas foram construídas por meio da participação em Organizações Não Governamentais (ONGs), assessoria de mandatos políticos, na composição de conselhos e comissões de governos locais, estaduais e nacionais, na construção e discussão de ações políticas, enquanto coletivos articuladores de demandas e, até mesmo, na lógica representativa por meio da mediação de organizações partidárias. Nesta última, a interlocução Estado-movimento se deu de formas conflitivas, uma vez que havia um certo receio de que as pautas do movimento fossem cooptadas por partidos e/ou perdessem sua importância no jogo político.
Assim, as candidaturas de pessoas LGBTQI+, muitas vezes controversas, eram construídas de forma personalista, no sentido em que as filiações ou cargos não eram coletivamente pensados e decididos no movimento, mas, sim, atendendo aos anseios políticos de forma individual. No que tange o pleito eleitoral de 2020, no entanto, tornam-se perceptíveis algumas alterações nesse quadro. Desde as primeiras investidas e inserções no Estado até os últimos anos, observamos um aumento no número de candidaturas políticas e de pessoas LGBTQI+ eleitas. Acreditamos que o ano de 2012 marca essa virada nos números. De forma mais específica, quando observamos os cargos legislativos municipais das eleições daquele ano tivemos 26 pessoas eleitas. Em 2016, esse número cresceu para 38 e, em 2020, foram 116 pessoas eleitas[1].
O aumento exponencial no número de pessoas LGBTQI+ eleitas na votação de 2020 pode apontar para a construção de estratégias políticas empregadas pelo movimento, por meio de uma aposta na institucionalidade. A ocupação de cargos eletivos hoje parece apresentar um movimento disruptivo em relação à dinâmica personalista presente em anos anteriores. A ideia, trabalhada por autoras e autores, se baseia na lógica de que a entrada na institucionalidade impactaria no processo de deliberação política e na produção de leis que passariam a contemplar direitos, bem como dar mais visibilidade às demandas e pautas de segmentos historicamente marginalizados da sociedade. A ocupação da esfera legislativa teria como objetivo, também, a conquista de uma arena que vem sendo entendida como um ambiente refratário às demandas do movimento LGBTQI+ no Brasil. Assim, mostra-se necessário ocupar esse espaço para conquistar direitos, em uma lógica que associa justiça social ao poder político.
Quando se observa esse aumento significativo no número de candidaturas e eleições das últimas décadas, um destaque deve ser feito para o número de travestis e transexuais participantes dessas disputas. Isso porque uma das primeiras pessoas LGBTQIA+ eleitas no Brasil foi uma travesti, negra e sertaneja: Kátia Tapety, em 1992, no Piauí (cabe ressaltar que ela se reelegeu à vereança por duas vezes e foi também eleita vice-prefeita de sua cidade, Colônia do Piauí). Além disso, vale destacar que, apesar de não constituírem o maior número de filiações partidárias, travestis e transexuais acabam sendo responsáveis por uma grande parte das candidaturas que se convertem em mandatos. Pensando nos marcos temporais que estabelecemos anteriormente, em 2012 tivemos 8 eleitas que se identificaram como travestis e transexuais[2]. Em 2016, foram 89 candidaturas e 11 eleitas e, em 2020, foram 294 candidaturas, com um total de 30 eleições, segundo os dados do Relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra)[3].
Quadro 1: Travestis e transexuais eleitas (2016-2020)
2016 | 2020 | ||
Região | Estado | Nº de pessoas eleitas | Nº de pessoas eleitas |
Centro-Oeste | Mato Grosso do Sul | 1* | – |
Nordeste | Paraíba | 1 | – |
Nordeste | Pernambuco | 1* | – |
Nordeste | Sergipe | – | 1 |
Nordeste | Rio Grande do Norte | – | 1 |
Nordeste | Pará | – | 1 |
Nordeste | Roraima | 1 | – |
Sudeste | Espírito Santo | – | 1 |
Sudeste | Minas Gerais | 4* | 5** |
Sudeste | Rio de Janeiro | – | 2 |
Sudeste | São Paulo | 2 | 16*** |
Sul | Paraná | – | 1 |
Sul | Rio Grande do Sul | 1 | 3 |
Notas: * Não consta nos dados da Antra, ** Incluímos uma vereadora eleita em Moema-MG, que ainda não consta nos dados da Antra. *** Um homem trans eleito em candidatura única, um homem trans eleito em mandato coletivo e três mulheres trans e travestis eleitas em mandato coletivo.
Esperamos, com essa caracterização, construir reflexões e apontamentos sobre as formas de representação, dinâmicas de violência e ações a serem tomadas por organizações e agentes sociais que envolvam as realidades de travestis e transexuais na arena política. Cabe mencionar que falamos aqui de tempo presente e futuro, e muitas dinâmicas podem ser mantidas ou alteradas ao longo dos quatro anos de mandatos parlamentares. Entretanto, alguns apontamentos se fazem necessários a fim de pensar esse cenário inédito na política nacional. Tomando como foco a participação de travestis e transexuais nos pleitos e nos cargos legislativos municipais, acreditamos que as políticas sociais construídas nos últimos anos podem ser um elemento importante correlacionado. Lembremos que essas políticas foram possibilitadas por muitas lutas dos movimentos sociais e envolveram, inclusive, ações do poder judiciário que se sobrepuseram ao legislativo, na tentativa de suprir falhas na garantia de direitos. Como exemplo que tem efeitos sobre a participação na política institucional, podemos citar a adoção de cotas na política, tanto de gênero como de raça.
Em uma tentativa de romper com as desigualdades de gênero na política, uma série de recomendações e normativas foram feitas no Brasil. Em 2009, com a Reforma Eleitoral, ficou estabelecido, como obrigação das legendas, a inscrição de no mínimo 30% de mulheres em chapas proporcionais, bem como a designação de 5% do fundo partidário e 10% do tempo eleitoral para as candidaturas femininas. Cabe-se destacar que, mesmo tendo todos esses detalhes sido pensados numa tentativa de garantir equidade, a realidade da política institucional ainda passa pela cisheteronormatividade. As travestilidades e transexualidades não são pensadas nesse jogo político, que é um território em constante disputa. Ainda que a reforma tenha impactado diretamente as eleições de 2016, ela também expôs um impasse na dinâmica política: (i) não contemplou travestis e transexuais sem retificação de registro civil[4], (ii) foram relatados casos de desrespeito à identidade de gênero de pessoas transmasculinas a fim de cumprir com o critério de 30% estabelecido em lei e, por fim, (iii) as pessoas inscritas como mulheres nesse pleito representaram 86% de 18,5 mil pessoas candidatas que não receberam votos[5].
Toda essa configuração se justifica pela continuidade de um signo na legislação que mantinha a interpretação dúbia sobre a inclusão ou não de travestis e transexuais nesses políticas: o sexo. Essa palavra vinha na lei como o garantidor da inclusão das candidatas na legislação e as cotas eram assim entendidas como cotas por sexo, levando a uma lógica biologicista que reproduzia o binarismo de gênero. Isto é, entendia o corpo como um dispositivo para o reenquadramento de sujeitos que escapavam à cisnorma. As eleições de 2018 foram as primeiras em que houve a revisão desses termos por conta de um parecer do Ministério Público Eleitoral ao Tribunal Superior Eleitoral.
Além do gênero, torna-se importante pensar as cotas raciais[6] estabelecidas para a corrida eleitoral de 2020, afinal, quando pensamos em candidaturas de travestis e transexuais, 60% das pessoas se declararam como negras. Desse modo, mesmo com todas as problematizações elencadas sobre um aumento da identificação com a negritude que pode ter ocorrido somente para fins eleitorais[7], boa parte das travestis e das/dos transexuais eleitas/eleitos se identificam como negras, fazendo inclusive parte de mandatos coletivos que trazem as questões raciais como “carro-chefe” da candidatura.
Outro ponto importante ligado a esse aumento no número de pessoas candidatas e eleitas diz respeito a uma maior visibilidade midiática. Nos últimos anos, vivenciamos uma expansão das discussões envolvendo gênero e sexualidade que acabou sendo assimilada e reproduzida pelos veículos de comunicação. Seja por meio de notícias, histórias, personagens de novelas e filmes que retratavam a realidade de travestis e transexuais em nosso país, essas formas de se colocar no mundo, até então invisibilizadas, passaram a permear a tessitura social brasileira, desigual por princípio. Além disso, cabe ponderar até que ponto o discurso conservador, ao enunciar as questões de gênero como uma problemática moral, contribui para essa difusão e visibilidade. Como efeito dos discursos excessivos, na tentativa de censurar e impedir a existência de corpos e corpas, sujeitos e sujeitas, temos a hiper exposição daquilo que “não pode ser”, numa lógica paradoxal. Cabe, por fim, mencionar o quanto todos esses elementos supramencionados precisam ser lidos de forma conjunta a partir dos tensionamentos encabeçados pelos movimentos sociais.
Voltando à caracterização e comparação entre 2016 e 2020, fica evidente o aumento considerável de travestis e transexuais que se elegeram em diversos municípios brasileiros, principalmente se compararmos com o que foi apresentado e analisado por Marco Aurélio Máximo Prado em texto publicado pela SPW sobre as eleições de 2016. Tivemos, para além disso, uma diversificação de partidos que elegeram travestis e trans em 2020, com uma tendência partidária para a esquerda ou centro-esquerda. Assim, 15 das 33 candidaturas trans e travestis eleitas em 2020 foram de partidos considerados de esquerda e centro-esquerda (PDT, PSB, PSOL e PT), enquanto em 2016 apenas uma das onze se enquadrava neste espectro político (PSB).
Quadro 2: Partidos que elegeram travestis e transexuais (2016-2020)
Partido | Sigla | Eleições 2016 | Eleições 2020 |
Avante | AVANTE | – | SIM |
Democracia Cristão | DC | – | SIM |
Democratas | DEM | – | SIM |
Movimento Democrático Brasileiro | MDB | SIM | SIM |
Partido da Social Democracia Brasileira | PSDB | SIM | SIM |
Partido Democrático Trabalhista | PDT | – | SIM |
Partido dos Trabalhadores | PT | – | SIM |
Partido Liberal | PL | SIM | SIM |
Partido Progressista | PP | SIM | – |
Partido Republicano da Ordem Social | PROS | – | SIM |
Partido Social Democrático | PSD | SIM | – |
Partido Socialismo e Liberdade | PSOL | – | SIM |
Partido Socialista Brasileiro | PSB | SIM | SIM |
Partido Trabalhista Brasileiro | PTB | – | SIM |
Partido Verde | PV | – | SIM |
Patriotas | PATRIOTA | SIM | – |
Podemos | PODE | – | SIM |
Republicanos | REP | SIM | SIM |
O aumento de candidaturas progressistas, no entanto, vem acompanhada de candidaturas conservadoras ou de pessoas filiadas a partidos de centro, centro-direita e direita. O fenômeno é algo presente na histórica política brasileira, onde o avanço de pautas e lutas progressistas vem acompanhada de retrocessos e perdas de direitos.
Essa pluralização de travestis e transexuais com filiação nos mais diferentes partidos políticos demonstra como as demandas dos segmentos de gênero e sexualidade não são pautas assimiladas apenas por partidos de esquerda e centro-esquerda. Estão constantemente sendo disputadas por diferentes agentes políticos que buscam consolidar e propagar suas perspectivas por meio de diferentes entendimentos da realidade. Dessa forma, por exemplo, partidos de centro-direita e direita elegem travestis e transexuais que, muitas vezes, não se engajam em lutas por justiça social e equidade, mas reverberam discursos e ações que reproduzem a manutenção do status quo de grupos dominantes. Além disso, a forma como as travestilidades e transexualidades são incorporadas por essas legendas atendem a uma dinâmica de gestão que visa positivar as identidades, sem necessariamente pensar nas desigualdades que as atravessam. Assim, a extrema direita, o bolsonarismo e outros movimentos neoconservadores têm buscado conquistar enquadramentos que contribuam para a manutenção da sua hegemonia e “legitimidade”.
De uma maneira estratégica, há uma disputa de sujeitas e sujeitos que se apresentam como pertencentes aos grupos sub-representados politicamente pela lógica neoconservadora. Vale destacar que as pautas com as quais as pessoas se identificam são mediadas por diversas construções sociais que incluem gênero, sexualidade e suas assimetrias, mas não se restringem a elas. Uma vez que o Brasil é um país onde tais assimetrias normalmente são usadas nos discursos que visam moralizar e determinar condutas, o entendimento das desigualdades socialmente forjadas numa lógica individualista pode contribuir para que tais agentes políticos sejam cooptados por algumas vertentes que anunciam se preocupar com o bem comum, com a garantia da liberdade individual e com uma suposta unidade da nação. A diversidade se apresentaria para o neoconservadorismo num processo paradoxal, no qual a inclusão das pessoas é importante para a sua manutenção dentro do poder político e para pautar a defesa das condutas individuais, mas as pautas são tratadas como desejo por privilégios e não direitos – a sexualidade se configuraria como uma escolha, por exemplo.
Nesse sentido, é importante pensar a respeito da importância dos partidos nesse contexto de disputa, bem como a postura dessas organizações em relação às travestis e transexuais eleitas e eleitos. Afinal, estas pessoas passaram a ser lidas como potencialmente competitivas e representativas de setores importantes na disputa e manutenção do poder. Nos perguntamos, pois, como, em nível local, mandatos de travestis e/ou transexuais impactaria na dinâmica política, independentemente do partido a qual esteja filiada ou das lutas mobilizadas. O que podemos afirmar sobre os casos analisados de 2016 é que a presença majoritária de travestis e transexuais em partidos políticos vinculados à direita e centro-direita, no interior do país, acabam contribuindo para uma lógica da “nova política” que tende a direcionar articulações no sentido de uma consensualização das pautas. Isso parece dificultar, em grande medida, a abordagem de demandas fundamentais para alguns movimentos e minorias sociais, como os de gênero e sexualidade. Entretanto, mesmo nessa lógica de consenso, são salvaguardadas as pautas relacionadas às ruralidades, já que os mandatos se desenvolvem em cidades interioranas e de pequena extensão territorial, que se dividem em áreas urbanas e rurais, diferentemente das candidaturas eleitas em 2020, que se estabeleceram em municípios maiores e mais urbanizados.
Apesar de o maior número de travestis e transexuais que se elegeram seguir na região sudeste brasileira, o número de vereadoras e vereadores quadruplicou. Ainda no que tange essas questões de localidade, houve em 2020 um número significativo de travestis e transexuais que se elegeram nas capitais do país. Todavia, faz-se importante mencionar que esse pleito também fechou portas para pessoas vereadoras que tentaram reeleição ou algum cargo no executivo. Das 11 candidatas eleitas em 2016 em território nacional, apenas uma conseguiu se reeleger à vereança. Esse fenômeno aconteceu apesar de, em muitos casos, as vereadoras conseguirem um número expressivo de votos, principalmente em municípios menores e interioranos. Isso nos faz retomar a questão sobre o entendimento dessas candidaturas como simbólicas e benéficas às intenções partidárias. Além disso, mesmo que o aumento de candidaturas e eleições tenha sido ressaltado nas eleições de 2020, há, também, certo apagamento histórico nesse pleito. Para exemplificar nossa argumentação podemos citar o caso da própria Kátia Tapety. Ela, que foi eleita em 1992, 1996 e 2000 como a mais votada de sua cidade, em 2020 voltou a concorrer e obteve apenas 18 votos, sendo a segunda menos votada de seu partido.
Esse apagamento da existência, das subjetividades e de uma história de luta de travestis e transexuais, em favor de um fortalecimento da organização partidária, pode ser entendido como uma das facetas de violências que permeiam a vida dessas pessoas e que impactam diretamente na sua vontade de participar da política institucional e na própria atuação parlamentar. Outras formas de violência política, que podem ser exemplificadas já neste 2020, passam por diversos casos de assédio e ameaças divulgados em mídias sociais. Há pessoas eleitas que correm o risco de não assumir seus mandatos por ter sua vida colocada em risco por outros agentes do campo político que não concordam com a diversidade como parte da tessitura política nacional.
Se a sociedade é marcada por lógicas opressoras e excludentes, o sistema político institucional atualiza essas dinâmicas LGBTQIfóbicas, racistas, machistas, elitistas, entre outras formas de violência, preconceito e discriminação. Assim, a realidade de travestis e transexuais que ocupam esse espaço é marcada por barreiras e restrições que impedem sua plena atuação parlamentar. Uma das situações que podem ser efeito dessas violências cotidianas e, em muitos casos, “sutis” que acontecem nas candidaturas e efetivação dos mandatos é o alto índice de migração de legendas. Para que se possa ter uma ideia, das dez vereadoras eleitas em 2016 que tentaram algum cargo em 2020, apenas três se mantiveram nos mesmos partidos.
Isso pode parecer parte do jogo, mas essa instabilidade prejudica a construção de uma carreira política consolidada, tendo em vista justamente o uso que os partidos acabam fazendo dessas candidaturas. Destarte, há uma ausência de apoio dessas vereadoras e desses vereadores no que tange a construção da sua atividade parlamentar junto à legenda, bem como um déficit de formação política pensando nos regramentos e normativas institucionais. Nesse cenário, algumas ações poderiam ser pensadas a fim de amparar e estreitar as relações entre Estado e movimento. Seria interessante, por exemplo, a criação de uma rede integrada entre organizações do movimento, como a Antra, junto a travestis e transexuais que foram eleitas/eleitos, no intuito de conectar esses agentes políticos e prover suporte e assistência técnica de diversas ordens[8]. O estreitamento das relações entre Estado, organizações e militância seria constituído, assim, por meio de uma estratégia muito cara à resistência histórica do movimento de travestis e transexuais brasileiras: as redes de apoio. Esses espaços de troca e formação se tornam estratégicos a partir do momento que possibilitam tanto uma projeção das pessoas eleitas em plano nacional, como uma aproximação destas com organizações e o eleitorado. Isso permitiria um maior controle social sobre suas ações e a pressão no que tange a garantia de direitos para o segmento, fundamentais à lógica representativa.
O que ocorrerá nos próximos anos ainda é uma questão complexa de se responder. O que podemos pontuar é a necessidade da realização de um acompanhamento próximo e contínuo das rotinas parlamentares de cada uma das pessoas eleitas, compreendendo suas posturas no que tange à proposição de projetos e à forma como votam nas casas legislativas locais. Para além disso, torna-se importante criar meios de auxílio na construção de um mandato que não seja desqualificado pelo seu gênero e/ou sexualidade. A democracia é uma luta constante e paradoxal, na medida em que é pautada pela igualdade de todo e qualquer um (traduzida pela soberania e participação popular) e pela liberdade. Assim, torná-la radical e plural passa pela garantia, cada vez mais urgente, de travestis e transexuais no poder e a representação de seus direitos, tendo em vista o avanço do conservadorismo nos diversos segmentos, pautas e agendas políticas do país.
Sobre @s autor@s
Bábara Mendes é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH/UFMG).
Pedro Barbabela é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH/UFMG).
Imagem: Gráfico da matéria publicada pela Gênero&Número sobre a a eleição de mulheres em 2020
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Referências Bibliográficas
ANTRA. Mapeamento de candidaturas de travestis, mulheres transexuais, homens trans e demais pessoas trans em 2020. Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2020. Disponível em: <https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/11/lista-final-15nov2020-1.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2020.
CALGARO, Fernanda; CARAM, Bernardo. Eleição de 2018 será novo teste para lei que prevê cota de mulheres candidatas. G1, Brasília, 08 de março de 2018. Disponível em: <https://bityli.com/3Vce2>. Acesso em: 20 nov. 2020.
ELEIÇÕES 2020: 11% dos candidatos negros são vistos como brancos. O Tempo, Belo Horizonte, 11 de novembro de 2020. Disponível em: <https://bit.ly/3fwiODt>. Acesso em: 20 nov. 2020.
GHERINI, Pamela Michelena de Machi; VALENTIM, Giovanna; BENEVIDES, Bruna; DAIER, Felipe Brandão. Guia para retificação do registro civil de pessoas não-cisgêneras. s.l.: Antra, Casa1 e Baptista Luz Advogados, 2019. Disponível em: <https://bit.ly/2J8NtdK>. Acesso em: 20 nov. 2020.
NUNES, Brunella. O que é a afroconveniência e por que ela é tão discutida nas eleições. TAB, s.l., 28 de outubro de 2020. Disponível em:https: <//bit.ly/375Rp7C>. Acesso em: 20 nov. 2020
PRADO, Marco Aurélio Máximo. Representação local e política partidária: candidaturas transexuais e travestis no Brasil. Sexuality Policy Watch, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2016. Disponível em: <https://bit.ly/3610sYg>. Acesso em: 20 nov. 2020.
SANTOS, Gustavo Gomes da Costa. Diversidade sexual e política eleitoral: analisando as candidaturas de travestis e transexuais no Brasil contemporâneo. Sexualidad, Salud y Sociedad. Rio de Janeiro, n. 23, p. 58-96, 2016. Disponível em: <https://bit.ly/37NqoGg> . Acesso em: 09 dez. 2020.
Notas
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[1] Os dados foram construídos por Pedro Barbabela e Bárbara Mendes a partir do cruzamento de bases de dados de organizações da sociedade civil e de um trabalho investigativo que buscou identificar pessoas LGBTQI+ eleitas de 1992 até 2020.
[2] Neste ano, as candidaturas e eleições não foram contabilizadas pela Antra e, assim, muitas travestis e transexuais se identificaram seguindo a cisnorma binária, ficando impossível a apreensão do número real de candidaturas. Esse número foi identificado por Gustavo Gomes da Costa Santos em seu artigo “Diversidade sexual e política eleitoral: analisando as candidaturas travestis e transexuais no Brasil contemporâneo”, de 2016.
[3] De acordo com o cruzamento de dados, chegamos ao número de 31 travestis e transexuais que se elegeram.
[4] Cabe destacar que somente em 2018, partindo da premissa de que o direito ao nome é fundamental, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou a interpretação da Lei de Registros Públicos, garantindo a retificação de registro civil para pessoas não-cisgêneras por meio de ação administrativa em cartório. Antes desse período, todo processo era judicializado, ou seja, moroso e raro. Após a ação do STJ, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou, no mesmo ano, o processo administrativo que rompia com a necessidade de espera do processo judicial. Entretanto, as resoluções aparentam ser mais simples do que o processo em si, que carrega elementos complicadores. Como exemplo dessa complexidade dificultadora pode ser citado o preço da ação administrativa que ainda é elevado e para o qual a isenção fica a cargo de decisões estaduais, não valendo para todo território nacional. Além disso, os documentos utilizados para solicitar essa alteração tem um prazo de expedição máximo de 90 dias e, tendo em vista a realidade de parte da população travesti e transexual brasileira, seu alto índice migratório e a dificuldade para a manutenção da documentação “em dia”, o processo se torna ainda mais inviável e/ou dificultoso. Para saber mais sobre o tema, basta acessar a cartilha elaborada em 2019, numa parceria entre a Baptista Advogados e a Antra: Guia para retificação de registro civil de pessoas não-cisgêneras.
[5] Para saber mais, acesse aqui.
[6] A partir da pressão de representantes dos movimentos negros dentro do congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que as verbas do fundo partidário devem ser distribuídas de forma proporcional e equânime para negros e brancos. Ainda que em caráter liminar, já que a princípio seriam instituídas somente em 2022, essa regra, denominada de cota financeira para negros, vigorou na disputa eleitoral de 2020 e tem íntima relação com o gênero na medida em que as verbas são distribuidas primeiro entre mulheres e depois entre homens.
[7] Movimentos negros que denunciam candidates brancos se apropriando da política de cotas para favorecimento das legendas, ou sobre a afroconveniência na política, podem ser conferidas aqui e aqui.
[8 ] Assistências técnicas para além dos mandatos, inclusive, nos parecem fundamentais. Ações voltadas para o cuidado, como, por exemplo, com a saúde mental de quem se dispôs a enfrentar o cotidiano da política institucional.