Neste 28 de setembro, comemoramos mais um Dia de Luta pelo Direito ao Aborto. A data foi instituída em 1990, durante o 5º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, realizado na Argentina, como evento regional estratégico que contestava a clandestinidade e riscos do aborto ilegal. Alguns anos mais tarde, a data se converteria num marco comemorativo global de luta pelo direito de decidir. Desde então temos razões para comemorar.
Nos anos 2000, na Colômbia foi outorgada a ampliação de permissivos legais, inclusive para risco de saúde, por decisão da Corte Constitucional e, na Cidade do México, foi aprovada a legalização até 12 semanas. Em 2012, aconteceu a reforma legal uruguaia e, em 2017, aprovou-se a lei chilena que, embora restrita, significou um avanço colossal num país onde até então o aborto era completamente proibido. Contudo, 2021 tem sido um ano excepcionalmente positivo para o direito ao aborto na região.
Na Argentina, o Congresso Nacional aprovou a legalização do aborto nos últimos dias de 2020 (leia aqui), depois de um longo processo de debates que foi avaliado em dois webinários promovidos por SPW e CLACAI em março deste ano e acessíveis nesta página. Em abril, a Corte Constitucional equatoriana emitiu um julgamento garantindo o direito à interrupção da gravidez em casos de estupro. E, em 7 de setembro de 2021, a Suprema Corte de Justiça do México considerou inconstitucional as normas legais que criminalizam o aborto e, em seguida, adotou uma regra que restringe a amplitude do direito à objeção de consciência. Duas semanas mais tarde, a Secretária de Governo definiu uma diretriz orientando judiciários locais e defensorias públicas a fazerem a revisão dos casos de mulheres encarceradas por aborto e acelerar sua liberação. A decisão, seus antecedentes e significados foram analisados pelo El País e pela Open Democracy. Finalmente, anuncia-se para muito em breve uma nova decisão da Corte colombiana sobre a demanda de descriminalização total do procedimento de aborto mobilizada pela iniciativa feminista Causa Justa.
A luta, porém, está longe do fim. A América Latina e o Caribe têm algumas das leis antiaborto mais restritivas do mundo. Em El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana o aborto é totalmente proibido e há muitas mulheres presas, mais especialmente em El Salvador, onde várias delas foram condenadas por abortos espontâneos. No site do Guttmacher há um panorama das legislações sobre o tema em toda a região.
No Brasil, o cenário é particularmente lamentável e arriscado. Em 2020, os ataques aos direitos reprodutivos já representavam mais da metade das proposições, e em 2021 já são uma assombrosa unanimidade na Câmara dos Deputados. E há, desde 2015, ofensivas persistentes para gravar o direito à vida desde a concepção ou direitos plenos do embrião nas normas jurídicas nacionais.
Além disso, como mostrou a atualização do Mapa do Aborto Legal, quase metade dos hospitais que afirmavam realizar o serviço deixaram de realizá-lo na pandemia. Com esse direito cada vez mais ameaçado, tornam-se cada vez mais frequentes casos de violações como a negativa para uma menina de 10 anos no Espírito Santo, grávida de seu abusador. Ou de um caso parecido de uma menina de 14 anos, recentemente revelado pela Agência Pública (leia aqui).
A criminalização do aborto, sabemos, não atinge da mesma maneira todas as pessoas que engravidam. Mulheres negras e pobres, que encontram mais barreiras no acesso aos serviços de saúde, são a maioria entre as que morrem por complicações de aborto inseguro, bem como entre as que precisam enfrentar um processo legal por recorrer à prática. No Rio de Janeiro, por exemplo, a criminalização do aborto causa ao menos um processo na Justiça a cada dois dias, e 60% das mulheres processadas são negras, 75% são solteiras e 65% têm outros filhos (leia aqui).
Em suma, não nos faltam argumentos para sustentar essa luta que vem de longe. Mas há uma boa notícia. Matéria da BBC publicada no dia 22 de setembro informa que, apesar de o Brasil ser o quinto menos favorável ao aborto em pesquisa realizada com 27 países, vem crescendo a aceitação ao longo dos anos. Em 2021 o Brasil chegou ao percentual mais alto (64%) de pessoas opinando que o procedimento deveria ser permitido total ou parcialmente (soma das respostas “o aborto deve ser permitido sempre que uma mulher assim o desejar” e “o aborto deve ser permitido em determinadas circunstâncias, por exemplo, no caso de uma mulher ter sido estuprada”). Em 2014, esse percentual era de 53%. Veja o gráfico abaixo:
Para marcar a data compartilhamos o vídeo elaborado com tributo ao lançamento da versão brasileira do livro “Nossos corpos por nós mesmas”. E também o vídeo completo do evento, um momento histórico de encontro e troca entre gerações feministas lutando pelos direitos sexuais e reprodutivos! Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=Ujfj5wUjNOM
A luta de 28 de setembro é uma luta de todos os dias do ano.
Pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito para todes!