Por Jandira Queiroz* e Sonia Corrêa**
O presidente Lula publicou, no dia 13 de maio de 2010, decreto que altera o texto do Plano Nacional de Direitos Humanos III (PNDH3), em atendimento às vozes que se levantaram contra os temas polêmicos do texto original. Entre os trechos modificados estão aqueles que tratam da descriminalização do aborto, da proibição do uso de símbolos religiosos em locais públicos, o controle social dos meios de comunicação, a mediação de conflitos agrários e ainda da revisão das violações dos direitos humanos praticadas durante o regime de ditadura militar no Brasil.
No referente ao aborto, o texto original do PNDH previa “apoiar o projeto de lei que descriminaliza o aborto”. A nova redação diz apenas que o plano visa “considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde”.
Como já havíamos adiantado em nossa Newsletter n. 8, o debate dava mostras de não estar encerrado e havia a possibilidade de que fosse mantida a formulação do II PNDH que recomenda revisão da legislação punitiva. Contudo, não foi isso que aconteceu. O texto apenas reafirma o entendimento do aborto com grave problema de saúde pública e menciona serviços. Isso significa um retrocesso não apenas em relação à linguagem adotada pelo II PNHD, como sobretudo em relacão ao paragráfo 106k da Plataforma de Ação da Conferência de Pequim de que o Brasil é signatário sem reservas. Esse fato é lamentável, entre outra razões por que nos diz que as posição do dogmatismo religioso tem mais peso nas decisões sobre direitos humanos que a perspectiva das mulheres e os paramêtros internacionais.
Depois de uma reunião com o presidente Lula na noite do dia 12 de maio, o prefeito da Congregação para o Clero do Vaticano, cardeal Dom Cláudio Hummes adiantou que o trecho sobre a utilização de símbolos religiosos em repartições e órgãos públicos seria revisado. O decreto assinado por Lula, por fim, suprime este trecho, numa clara atenção às reivindicações da Igreja Católica. Mostra de desrespeito não só à premissa da laicidade do Estado como ao reconhecimento da pluralidade religiosa, tão evidente no Brasil.
Resta observar as reações da sociedade brasileira, em geral, e mais especificamente dos movimentos sociais, que compareceram às mais de 50 conferências realizadas durante o governo Lula, das quais o PNDH3 deveria ser o fruto mais concreto. Que vozes se farão ouvir dessa vez, e com que demandas? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
Leia aqui mais notícias e análises sobre as alterações no PNDH3.
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* Jandira Queiroz é assistente de projetos do Observatório de Sexualidade e Política.
** Sonia Corrêa é co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política.