BRASÍLIA/SANTIAGO (04 de maio de 2016) – A ONU Mulheres Brasil e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) solicitam ao poder público brasileiro a investigação imparcial e com perspectiva de gênero e raça, na elucidação das violências cometidas contra Luana Reis, morta após espancamentos supostamente perpetrados pela Polícia Militar, no início do mês de abril de 2016, na cidade de Ribeirão Preto (SP).
De acordo com o relato da própria vítima -antes do seu trágico falecimento- e de seus familiares, há fortes indícios das práticas de sexismo, racismo e lesbofobia nos acontecimentos que levaram à sua morte, em uma perversa violação de direitos que segue na contramão das garantias individuais e coletivas conquistadas pelas mulheres no Brasil e no mundo.
O ACNUDH e a ONU Mulheres enfatizam que o uso excessivo da força, bem como qualquer tipo de discriminação –seja por gênero, raça, etnia, orientação sexual ou de outra natureza-, são inadmissíveis no exercício da função policial e devem ser erradicados das forças de ordem do Brasil. A Polícia Militar de São Paulo deve garantir que procedimentos violentos não sejam tolerados na instituição e assegurar um treinamento adequado de seus agentes, inclusive em matéria de direitos humanos.
A morte de Luana é um caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil. Segundo a Relatora Especial da ONU sobre questões de minorias, o número de afrodescendentes mortos em ações policiais é três vezes maior do registrado entre a população branca no estado de São Paulo.[1] A situação das mulheres afrodescendentes nesse contexto é de ainda maior vulnerabilidade. O Mapa da Violência (2015) revela a seletividade da violência, demonstrando que entre 2003 e 2013 as mortes violentas de mulheres negras aumentaram 54%, enquanto houve uma redução de 9,2% entre a população feminina branca.[2]
São inaceitáveis quaisquer alegações para justificar as violências que vitimaram fatalmente Luana, as quais evidenciam a conivência e/ou a impunidade com agressores quer sejam agentes públicos ou indivíduos particulares. A responsabilização é condição primeira para a justiça e para a reparação às vítimas das violências de gênero, para a proteção de familiares em busca de direitos e para a construção de uma sociedade plural e equitativa.
Nesse sentido, a ONU Mulheres e o ACNUDH instam a aplicação das Diretrizes Nacionais sobre Feminicídio para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres, formuladas por ambas as instituições, em esforço integrado com o governo brasileiro, por meio do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos e do Ministério da Justiça. As recomendações constantes do documento chamam a atenção para o fato de que as circunstâncias individuais, institucionais e estruturais devem ser levadas em consideração como elementos para entender o crime e, por conseguinte, para responder adequadamente às mortes violentas de mulheres pelo fato de serem mulheres, fazendo, pois, incidir a Lei do Feminicídio (nº 13.104/2015), que é um crime cometido em razão de menosprezo e discriminação à condição de mulher.
A ONU Mulheres e o ACNUDH fazem em conjunto este alerta público contra a misoginia dirigida às mulheres brasileiras, agravadas pelo fato de serem negras, indígenas, lésbicas, trans, pobres, rurais, jovens e/ou idosas e pedem à sociedade brasileira que se mantenha defensora implacável dos direitos das mulheres e que se posicione, de maneira obstinada e sistemática, contra todas as formas de violência contra todas as mulheres.
Por fim, solidarizam-se com os familiares e amigos de Luana e oferecem-lhes suas sinceras condolências por sua trágica morte.
Amerigo Incalcaterra
Representante Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
Nadine Gasman
Representante da ONU Mulheres Brasil
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[1] A/HRC/31/56/Add.1, para. 50
[2] Mapa da Violência, 2015. (FLACSO, MMIRJDH, OPAS E ONU MULHERES)
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