Fábio Grotz e Sonia Corrêa
As eleições presidenciais na Nicarágua sacramentaram no último final de semana a esperada vitória de Daniel Ortega para o quarto mandato consecutivo. O pleito ocorreu em meio à desconfiança generalizada e ao repúdio global por causa da feroz campanha de perseguição à oposição e de violência a que o regime tem se dedicado com especial virulência há pelo menos três anos.
Desde então Ortega cooptou toda a estrutura do Estado, mais de 300 pessoas foram mortas pela repressão, 100 mil nicaraguenses vivem no exílio, candidatos opositores e ativistas foram presos nos últimos meses e poucos jornalistas estrangeiros puderam acompanhar o processo eleitoral. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) classifica a Nicarágua como um “Estado policial”.
Este enredo não foi respondido à altura pelo Partido dos Trabalhadores (PT), principal legenda de centro-esquerda do Brasil. Em agosto, o ex-presidente Lula muito dubiamente teceu críticas ao regime de Ortega, embora tenha se esquivado ao dizer que “faz dez anos que não tenho contato com a Nicarágua, não sei muito bem o que está acontecendo lá”.
Passados três meses de silêncio, o PT se pronunciou sobre as eleições nicaraguenses. Lamentavelmente, não apenas ignorou a tímida ressalva que Lula tinha feito sobre democracia como celebrou o pleito no país centro-americano, saudando a “grande manifestação popular e democrática” e “o projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário”. Esse gesto e o texto que o acompanha são inaceitáveis, não correspondem à verdade dos fatos e revelam desprezo pelo direito à associação, por eleições livres, enfim desprezo pela democracia.
Atualização 10 nov.
Horas depois da divulgação da nota, um grupo de ativistas e intelectuais nicaraguenses tornou pública uma carta dirigida ao ex-presidente Lula e à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, manifestando “surpresa, frustração e indignação” com o apoio da legenda à vitória de Ortega, na sequência a presidente do PT publicou uma nova nota desautorizando a nota anterior e houve repercussão imediata na imprensa (aqui e aqui). Algumas horas mais tarde, o primeiro pronunciamento oficial do PT foi retirado do site do partido.
Leia aqui a íntegra da carta do Coletivo de Nicaraguenses no Brasil.