Dia 24/8/09 – tarde
O texto panorâmico apresentado na segunda sessão, Ciência, gênero e sexualidade, foi elaborado por: Kenneth Camargo, membro do conselho consultivo do SPW e professor associado do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ); Carlos Cáceres, também membro do SPW e professor de Saúde Pública na Universidade Cayetano Heredia, em Lima, Peru; e Fabiola Rohden, professora adjunta do IMS/UERJ. Richard Parker coordenou a sessão e os comentários foram feitos por Paula Machado, professora assistente no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
O texto traça um histórico da construção do pensamento científico, destacando concepções e aplicações da ciência em relação a gênero e sexualidade a partir da perspectiva teórica de Thomas Kuhn e dos chamados science studies. Sublinha como no Ocidente, desde o Renascimento, as concepções científicas gradativamente se converteram em referências normativas para delimitar o que é ou não aceitável nas esferas do gênero e da sexualidade, deslocando o papel prescritivo originalmente ocupado pela doutrina religiosa. Especificamente, no que diz respeito à articulação entre ciência, política e gênero, os autores revisitam os estudos feministas inaugurados nos 1970.
Com relação à crítica do discurso científico sobre sexualidade, retornam a Foucault e Jeffrey Weeks como referências fundamentais para compreender a historicidade, complexidade e profundidade das articulações entre ciência, sexualidade e política na era contemporânea. Entre outros legados, Foucault e Weeks continuam sendo fontes principais da crítica ao essencialismo sexual que hoje informa nossas investigações e debates. O texto identifica adicionalmente as conexões, não isentas de tensões, entre a teorização e a pesquisa em ciências sociais sobre sexualidade, de um lado, e as agendas de investigação biomédica em HIV/AIDS (e as políticas delas decorrentes) de outro. As conclusões do trabalho ilustram bem o quanto continua sendo estratégico e imprescindível examinar sistematicamente os vínculos, nem sempre transparentes, entre ciência, sexualidade e política:
“ …é possível apontar vários momentos na história das disciplinas científicas relevantes para as questões de sexualidade e gênero em que concepções ideológicas sobre o que é ‘natural’, ‘normal’ e ‘saudável’ foram sacramentadas como parte do discurso científico, contribuindo para a opressão e estigmatização de formas divergentes de sexualidade – ou mesmo da sexualidade como um todo, reprimida de várias formas – bem como a subjugação das mulheres, pela designação ‘científica’ de limites bem específicos para seu lugar na sociedade. A perspectiva dos science studies, ao mostrar as limitações da produção de conhecimento no marco da ciência, é uma importante ferramenta política para permitir a desestabilização destes discursos excludentes e estigmatizadores. Daí não se segue, contudo, que toda a ciência seja um infindável exercício de reificação de preconceitos como ferramenta de controle e opressão; as críticas que permitem a desmontagem de tais discursos surgem do próprio campo científico… A ciência como prática inclui a crítica reflexiva; é a partir desta perspectiva que se pode pensar na produção de alianças que permitam a construção de uma ciência que siga o lema proposto pelo já citado Boaventura de Souza Santos, do ‘conhecimento prudente para uma vida decente'”.
:: COMENTÁRIOS::
A comentarista Paula Machado trouxe reflexões, sobretudo, acerca do lugar instável ocupado pelo corpo no discurso e prática da ciência. Paula também nos lembra que a ciência produz “passaportes para a realidade”, os quais estão profundamente associados às idéias de progresso, avanço, desenvolvimento e bem-estar, e que têm grande apelo prático e simbólico. Examinou, brevemente, os problemas observados no uso das categorias científicas pelas pessoas, pelo público em geral, ou seja, a apropriação constante dos discursos científicos pelo senso comum, e seus efeitos sobre as lógicas de ordenamento social, em termos de hierarquias, exclusões, taxonomias e, portanto, estigma. Finalmente, chamou a atenção para o fato de que o debate sobre ciência e sexualidade deve estar sempre atento às vinculações entre jornalismo científico e produção de culturas, por um lado, e economia por outro. Dito de outro modo, a imprensa, a televisão e a Internet são espaços cruciais para examinar-se a relação entre sexualidade, políticas públicas, mercado e direitos.