No final de 2015, quando o Estatuto da Família foi aprovado pela Comissão Especial criada na Câmara para sua tramitação, o coletivo de arte Corpos Informáticos circulou nas redes sociais
as fotografias da performance “Estou boiando”. As fotos mostravam uma “família” vestida para a praia que deambulava pelas ruas de Ceilândia, na na periferia de Brasília, a muitas mil mil milhas do mar. Como no caso de outras intervenções performáticas do grupo “Estou biando é é colorida e muito irônica. .
Não era intenção dos Corpos Informáticos vincular a performance à aprovação do “Estatuto. Mas a coincidência foi virtuosa. As imagens coloridas de “Estou boiando” parodiam notável da diferença entre o que os legisladores conservadores propõe e as realidades “fuleiras” das famílias brasileiras. Quando pensamos em postar as fotos convidamos Bia Medeiros -artista, pesquisadora e professora da UNB- que coordena o grupo para escrever sobre esse evento. Muito generosamente, ela e Natasha Albuquerque compartilharam conosco um curto mas muito esclarecedor texto sobre as premissas de seu trabalho performático. Agradecemos!
Brasília, em 2016, completará 56 anos. O Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos , sediado em Brasília, completará 24 anos, investigando arte contemporânea: performance, videoarte, composição urbana e fuleragem. Corpos Informáticos se declaram fuleiros e professam Mar(ia-sem-ver)gonha. Corpos Informáticos é grupo, matilha, cambada, talvez família, uma outra família. Por esse Grupo passaram cerca de 50 pessoas, em sua maioria estudantes da Universidade de Brasília (UnB) que hoje são/serão artistas, professores, mestres e doutores.
“Tô boiando” foi uma proposta de composição urbana/performance feita por Natasha de Albuquerque ao Corpos Informáticos e ao Corpos Expandidos (agregados, amantes, amigos do Grupo) durante o 5º Performance Corpo Política, evento proposto pelo Corpos Informáticos desde 2010 cuja memória se encontra em talvez o maior espaço virtual para a performance, para a arte como política, sediado no Brasil. Tô boiando parte de incompreensíveis ou do que não se sabe. É busca de superfícies e poucos apro-fundamentos. Também pode ser ‘cara de paisagem’. Nadamos no nada e boiamos na paisagem na C.E.I. (Campanha de Erradicação de Invasões), hoje denominada Ceilândia, talvez a maior cidade nordestina fora do Nordeste.
Ceilândia é Brasília (Braz-ilha)? Cadê a ilha? Onde fica a praia? Tem piscina?
Como fundamentação teórica temos a fuleragem, conceito desenvolvido pelo Grupo Corpos Informáticos: a fuleragem desafia, desfi(l)a a política de Estado, mente e ri. Temos, também, o Método Scanning: modelo de apreensão visual criado pelo artista Joseph Beuys que consiste em sentir o próprio corpo em continuidade com a paisagem; estender suas linhas às linhas infinitas do horizonte. Scanning pensa a relação do ser humano com o espaço aberto e o afagar as visões descontínuas e fragmentadas da cidade grande. Deslizar na paisagem. Boiar, também, é proposto ao ar, ao olhar, aos sentidos, ao sentido: Corpo que boia no vento, olhar que não vê e se torna paisagem. Um outro ponto de partida para a proposta é a Deriva: prática teorizada pelo situacionista Guy Debord que consiste em seguir um caminho não necessariamente óbvio. Deixar levar-se pelo desejo e pelos sentidos. O que nos leva no acaso e no descaso também faz parte da deriva: não é necessariamente um destino, é prática política, uma outra política.
Rio de Janeiro/Brasília, 29 de janeiro de 2016 Maria Beatriz de Medeiros e Natasha de Albuquerque