por Luciana Boiteux
Rio de Janeiro, 2 de setembro de 2017.
[alerta de textão]⚡️
Temos dois debates a fazer no caso da ejaculação no ônibus, mais um exemplo de violência contra mulheres. Um é o debate político e moral: foi um absurdo, inaceitável, uma mulher jamais pode ser submetida a esse tipo de situação, é um abuso, precisamos defender as mulheres e repudiar tal ato, e pensar em soluções. Mas se a análise é técnico -jurídica, na minha opinião como professora de direito penal, não se sustenta uma acusação de estupro (art. 213, CP) pois nesse delito a prática de ato libidinoso ou conjunção carnal se dá, sim, pelo constrangimento à mulher, mas este ocorre por meio de violência real ou grave ameaça, o que não houve no caso do ônibus. A pena de estupro é a mais grave nos crimes sexuais, no caso de vítima vulnerável a pena mínima é superior a do homicídio. Assim, pela lei atual, o único enquadramento seria mesmo o ato obsceno (Art. 233) ou a contravenção de importunação ofensiva ao pudor (art. 61, LCP). Estes dois últimos não permitem prisão preventiva mas apenas multa ou alternativas. Há, de fato, uma lacuna legal diante desse caso concreto, que é mais grave do que atos obscenos genéricos. Contudo, ampliar o alcance de tipos penais para punir mais severamente condutas foge à regra jurídica e viola a Constituição. A questão a debatermos é: devemos defender a criação de um outro tipo penal com penas mais altas (em curso na reforma do CP) ou seria melhor pensar em mecanismos de proteção efetiva de mulheres, como melhores serviços de transporte (de qualidade, sem lotação) ou mesmo espaços separados como os vagões exclusivos do metrô? A mera ampliação simbólica da punição não vai inibir nem impedir esses crimes (ainda mais no caso de pessoa que parece ter problemas mentais), mas talvez seja importante atualizar as leis penais, para manter a proporcionalidade entre delitos e penas, e evitar que réus pobres sejam equivocadamente punidos por estupro nesses casos, em sentenças de juizes “mão pesada” que não se importam com a Constituição. Mas acima de tudo temos que pensar em políticas (não penais) realmente eficazes de proteção a mulheres, como transportes acessíveis, seguros, iluminados e não lotados, bem como o combate à cultura do estupro e a ampliação do debate de gênero e direitos das mulheres nas escolas. Afinal, pensar no controle social, nas vítimas, especialmente as mais vulneráveis e nas questões sociais e estruturais deve ser o papel da esquerda e da Criminologia crítica feminista. Não vamos esquecer que, nesse caso, autor e vítima usavam transporte público, ou seja, eram pobres (ou classe média baixa)** e o acusado é negro.
Não podemos deixar a direita e o senso comum punitivo ganharem esse debate.
Fonte: Facebook.