Há duas semanas, testemunhamos um novo e violento ataque à liberdade acadêmica nos Estados Unidos. A Universidade de Berkeley, considerada um berço de debates e conquistas sobre a liberdade de pensamento, acatou uma solicitação do governo Trump e entregou uma lista com 160 nomes de estudantes e professores acusados de envolvimento em “supostos incidentes antissemitas”. Considerando que você se dedicou a pensar e escrever sobre o assunto, como avalia a decisão tomada pelas autoridades da universidade?
Éric Fassin – Isso confirma, e isso é assustador, que Donald Trump pode fazer o que quiser. Porque todos entendem que as coisas não vão parar por aí. Ele não é forte apenas com os fracos, como os migrantes; ele pode colocar as maiores universidades de joelhos, sejam elas públicas, como Berkeley, ou privadas, como Columbia. Com um estalar de dedos, ele pode conseguir a cabeça de um promotor ou de um comediante. As instituições estão à sua disposição, e as grandes empresas ficam caladas. A separação de poderes acabou. A Suprema Corte está dando sua bênção ao que chamo de “golpe democrático”. Mesmo quando, como no meu caso, muitos se preocupam há anos com a “democracia precária” e insistem em não eufemizar esse neofascismo, ficamos atônitos com a rapidez com que as coisas são feitas e desfeitas. A democracia está desmoronando como um castelo de cartas, com pouca ou nenhuma resistência.
O que explica como uma instituição acadêmica conhecida por seu compromisso com a liberdade de pensamento pôde tão facilmente ceder às exigências inquisitoriais de Trump?
Na primeira metade da década de 1960, Berkeley foi o berço do movimento pela “liberdade de expressão”, ou seja, o direito de se envolver livremente em política na universidade. É, portanto, um símbolo, assim como Columbia, também na mira, foi um símbolo de resistência ao poder durante a Guerra do Vietnã. Em ambos os casos, a pressão política é, naturalmente, exercida por meio de ameaças financeiras. A capitulação é um lembrete de que as universidades são empresas como qualquer outra. Já vimos isso na mídia, do Washington Post à ABC. No fim das contas, a covardia de alguém como Mark Zuckerberg é a regra, não a exceção. O fato é que vivemos em um regime de medo.
Judith Butler está entre os acusados. Como interpretar isso? Do ponto de vista das condições políticas que prevalecem nos EUA atualmente?
Se Judith Butler decidiu revelar que seu nome estava entre os 160 enviados ao governo Trump, é claro que foi porque sua notoriedade é uma forma de proteção. Mas, por outro lado, o reconhecimento internacional também a expõe. O anti-intelectualismo joga com o anti-elitismo, mas também com o nacionalismo MAGA, que odeia esse cosmopolitismo. Por parte da extrema direita, que continua a denunciar “a grande substituição” como uma conspiração judaica, há sem dúvida um verdadeiro prazer em atacar uma figura judaica acusando-a de anti-semitismo. De qualquer forma, Trump e suas tropas demonstram um desprezo mordaz por todas as formas de legitimidade tradicional, seja do exterior ou dentro dos Estados Unidos. Por exemplo, estou bem ciente de que nossa carta aberta ao presidente da Universidade da Califórnia e ao chanceler de Berkeley, assinada em poucos dias por 600 acadêmicos de todo o mundo, não tem chance de influenciar o regime, que só pode zombar de nossa mobilização. Resta saber se as universidades também podem se dar ao luxo de desconsiderar a legitimidade acadêmica.
“Ontem, o lamento da direita era ‘não podemos mais dizer nada’; hoje, ela grita a plenos pulmões: ‘calem a boca!’”
Após o assassinato de Charlie Kirk, o vice-presidente J. D. Vance, outras autoridades e figuras influentes do governo Trump fizeram da “esquerda radical” um dos principais alvos políticos. Trata-se de mera retórica ou significa mais do que isso?
Não podemos mais ignorar o fato de que ofensivas retóricas levam à repressão. Já em 2021, JD Vance declarou: “As universidades são o inimigo”. O assassinato de Charlie Kirk é um pretexto para acelerar a repressão. Donald Trump não faz segredo disso: ele chega a dizer que hoje esse “mártir” renunciaria à liberdade de expressão. No funeral que acabou de acontecer, enquanto a viúva de Charlie Kirk pedia o perdão cristão pelas ofensas, inclusive pelo assassino, Donald Trump fez questão de se distanciar dela, pregando o ódio contra seus oponentes.
Acostumamo-nos a que a extrema direita invoque a liberdade de expressão para justificar todos os discursos racistas, xenófobos, sexistas, transfóbicos e antissemitas. Por outras palavras, a liberdade de expressão, este valor da esquerda, deslocou-se para a direita. Mas hoje, o contrário também é verdade: a direita MAGA está a sequestrar a denúncia da esquerda ao discurso de ódio, para dizer que este não deve ser protegido pela Primeira Emenda. Só que, para a direita, esse discurso é um discurso de ódio contra o discurso crítico. Já disse isso muitas vezes: ontem, o lamento da direita era “não podemos mais dizer nada”; hoje, ela grita a plenos pulmões: “calem a boca!”.
Muitos observadores desse cenário estão recorrendo ao conceito de “novo macarthismo” para interpretar esses eventos. Na sua opinião, essa é uma escolha produtiva? O que acontece hoje é realmente semelhante ao que aconteceu na década de 1940?
No início da década de 1990, muitos liberais, tanto na França quanto nos Estados Unidos, participaram da campanha neoconservadora contra o “politicamente correto”. Hoje, a denúncia de um suposto “McCarthismo de esquerda” voltou à tona com a ofensiva da extrema direita contra o wokismo; e é com a mesma ingenuidade política que os defensores da liberdade de expressão se mobilizaram contra a “cultura do cancelamento” atribuída à esquerda. Falar de “totalitarismo woke” é demonstrar uma cegueira surpreendente; mas talvez fosse mais preciso falar de cumplicidade. Na França, assim como nos Estados Unidos, muitos meios de comunicação têm uma responsabilidade considerável pelo clima atual.
O macarthismo foi uma cruzada anticomunista, mas também foi antissemita e anti-intelectual. Hoje, figuras do MAGA acusam o Partido Democrata, que, no entanto, apoiou a revolução neoliberal, de ser marxista, até mesmo comunista. Vemos o mesmo padrão de anti-intelectualismo. A diferença é que hoje os republicanos se escondem atrás da luta contra o antissemitismo. Isso não é novidade: também na França, a demonização da extrema direita envolve a demonização da esquerda, acusada de antissemitismo com a cumplicidade ativa do macronismo, como também aconteceu nos Estados Unidos, sob Biden.
Quem são os principais alvos dessas campanhas anti-intelectuais?
O anti-intelectualismo não visa apenas um grupo: os “intelectuais”. O alvo é o conhecimento crítico. O objetivo é acabar com a circulação de ideias entre movimentos sociais e trabalhos políticos sobre gênero, sexualidade e raça. Mas, além disso, como vemos hoje, ele também pode ter como alvo questões econômicas, médicas e climáticas. Em última análise, o que está em jogo é o status da verdade. Recorro ao filósofo Harry Frankfurt para distinguir entre mentiras e “besteiras”. Mentir ainda reconhece a legitimidade da verdade, já que o objetivo é fazer passar a falsidade como verdade. Por outro lado, dizer bobagens, como faz Trump, mina os próprios fundamentos da verdade. Não se trata mais apenas de “notícias falsas”, o que não é novidade; o que o trumpismo oferece são “fatos alternativos”. Veja-se a história dos migrantes haitianos que comem cães e gatos. É um disparate. Dizer disparates abre a porta à possibilidade de fazer qualquer coisa. Os ataques às universidades são apenas uma parte deste esforço para demolir a democracia, juntamente com as editoras, os meios de comunicação social e os poderes judicial e legislativo. Que apoio restará então para os movimentos sociais?
“Nós também, embora em menor grau, estamos a viver o que chamo de momento neofascista do neoliberalismo.”
O que podemos extrair das condições políticas que prevalecem atualmente nos EUA em relação ao estado das democracias liberais? A dinâmica atual dos EUA pode contaminar a Europa?
Não é um risco, é já um fato. No meu livro Misère de l’anti-intellectualisme (A miséria do anti-intelectualismo), mostrei que a mesma lógica está em ação na França e nos Estados Unidos, como sugere o subtítulo: desde a perseguição do “wokismo” até à chantagem das pessoas com acusações de antissemitismo. Por exemplo, a direita francesa organizou audiências contra universidades, seguindo o modelo dos republicanos no Congresso. Essa pode ser a razão do silêncio da mídia em torno deste livro, mas também de seu sucesso junto ao público, já que se esgotou após seis meses. Na esfera pública, é difícil fazer ouvir o que muitos de nós denunciamos há anos: a deriva iliberal não é reservada aos outros. Basta olhar para a repressão das mobilizações sociais na França. Nós também, embora em menor grau, estamos vivendo o que chamo de momento neofascista do neoliberalismo. Resta saber se a Europa será forçada a se distanciar dos Estados Unidos nessa questão; caso contrário, permanecerá impotente.