Na quarta-feira, 14 de fevereiro, Parkland sofreu um episódio violento de tiroteio em massa no Stoneman Douglas High School realizado pelo antigo alungo da escola Nikolas Cruz, 19 anos. Carregando um rifle AR-15, o incidente ocasionou a morte de dezessete pessoas e deixou quinze feridas. No entanto, este foi o décimo quarto episódio de tiroteios em massa que aconteceu em uma escola nos EUA somente no ano de 2018.
Diferente dos episódios anteriores, quando as autoridades sentiram e ofereceram suas condolências e orações, os estudantes da escola reagiram sem medo contra a permanência do status quo em relação ao controle de armas. O movimento #NeverAgain (#NuncaMais) foi liderado por Emma González, uma estudante cubana, bissexual de 18 anos, em um discurso combativo em frente ao Tribunal do Condado de Broward, onde criticou o presidente Trump e outros políticos por aceitarem doações da Associação Nacional do Rifle (NRA) e expressou o projeto do movimento, que demanda por medidas reais para o controle de armas.
Trump propôs que deveriam haver mais hospitais psiquiátricos, atribuindo a responsabilidade do episódio à doença mental, apesar de não ser conclusiva a porcentagem de doentes mentais (1%) como autores de violência relacionada a armas, mas sim as vítimas. Em seguida, ele propôs que os professores de escolas fossem armados em troca de um bônus salarial. Em pouco tempo, o setor de segurança começou a promover a venda de coletes à prova de balas para estudantes, bem como outras peças de equipamentos similares, levando a um aumento nas vendas. Além disso, como estratégia de contenção de danos, a NRA lançou uma campanha nacional em que visita escolas, tentando dissuadir as pessoas sobre a periculosidadede das armas, argumentando que elas podem oferecer segurança. Seguindo essa linha, o Oath Keepers, um grupo de milícia armada extremista, começou a se organizar para “prevenir” tiroteios em massa. Eles são contra políticas que visam endurecer o porte de armas e argumentam que poderiam defender escolas que ficassem de guarda fora deles.
Esta possibilidade teve uma rápida reação do corpo de professores, iniciando o movimento #ArmMeWith (#MeArmeCom) quando estes expressaram suas verdadeiras necessidades dentro das salas de aula, como salários mais altos, assistentes sociais e psicólogos suficientes para atender às demandas de todos os alunos, bibliotecas etc, sem fazer menção a armas.
Mais recentemente, alguns desenvolvimentos positivos em relação às demandas de controle de armas foram realizados. Muitas lojas cumpriram a adaptação a regras mais rigorosas e até mesmo o presidente Trump declarou o apoio às medidas de controle de armas, como a melhora do sistema de verificação de antecedentes, mas não sem isentar seu suporte à Segunda Emenda, que garante o porte de armas. Outro resultado positivo foi a pesquisa NPR / Ipsos recentemente lançada. O estudo revelou que os 74% que apoiam o direito de possuir armas permanece intacto em relação a 2017, em comparação, no entanto, o controle de armas disparou como uma das questões mais preocupantes do país, passando de 27 para 37%; quase todos os americanos (94%) apoiam a política de invetsigar os antecedentes criminais para todos os compradores de armas; mais de 8 em cada 10 (82%) apoiam que o mínimo para possuir uma arma deve ser 21 anos e 59% se opõem ao treinamento de professores para transportar armas nas escolas.
Apesar de uma mudança favorável ao controle de armas, não devemos ignorar estudos anteriores que indicam as causas desse fenômeno que se repete e que lançam uma luz sobre como este se relaciona às relações assimétricas de poder pensadas pelo viés de gênero e as masculinidades, já que 98% dos atiradores são do sexo masculino e a maioria é branca, como demonstram os estudos.
Os homens possuem armas no triplo da taxa de mulheres nos EUA, em 62 por cento em comparação com 22 por cento – e também cometem suicídio em quase o triplo da taxa de mulheres. Oitenta e nove por cento dos assassinatos-suicídios são cometidos por homens e, na maioria das vezes, incluem uma parceira desconhecida ou ex-parceira. Na verdade, mais da metade de episódios de violência com arma (54 por cento) são na verdade incidentes de violência doméstica. E, de acordo com o Bureau of Justice Statistics, 86% dos autores de casos judiciais envolvendo violência doméstica são homens. Certamente, uma variedade de fatores está associada a cometer um ato grave de violência, como histórico de compulsão, abuso infantil, morar em um bairro com uma alta taxa de crimes violentos e vivenciar eventos estressantes. (Fonte: Revista POLITICO)
O Observatório de Sexualidade e Política preparou uma coleção preliminar de notícias e artigos que abordam e analisam o problema:
A arma da pessoa boa e a arma da pessoa ruim – Nexo Jornal
Quais são os malucos perigosos? – Folha de São Paulo
Dar acesso a armas piora a segurança para toda a sociedade – Valor
Parkland, 2018. Christian viveu a mesma experiência da irmã 12 anos depois – Político
Tiroteios e masculinidade – Carta Capital
‘Despreparo do homem heterossexual branco para lidar com fracasso o leva à violência’ – Nexo Jornal
Pesquisa identifica evasão escolar na raiz da violência extrema no Brasil – BBC
NRA distribuiu mais de sete milhões de dólares por centenas de escolas entre 2010 e 2014 – Público
Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde – Ciência & Saúde Coletiva
Mídias participativas e violências extremas: uma etnografia on-line dos tiroteios em escolas – Revista Brasileira de Ciências Sociais
Marc Lépine: violência e masculinidade no contemporâneo – Revista Brasileira de Estudos Canadenses
Políticas da masculinidade – Robert W. Connel – Educação e Realidade
“Cidadãos de bem” com armas: Representações sexuadas de violência armada, (in)segurança e legítima defesa no Brasil – Revista Crítica de Ciências Sociais
A epidemia de tiroteios faz dos EUA uma anomalia no mundo desenvolvido – El País
Enquanto EUA sangram, Brasil quer flexibilizar uso e porte de armas – Metrópoles
Concessão de porte de arma cresce 106% em três anos no Brasil – Metrópoles
O que pensam os norte-americanos que têm um arsenal de armas em casa – El País