Por Andrea Dip
O Instagram avisa que o conteúdo é “sensível”. Nele, imagens de um útero, uma música triste e um texto que chama mulheres que interrompem a gravidez de assassinas. O vídeo foi compartilhado no perfil oficial da ministra da Mulher, Saúde e Direitos Humanos, Damares Alves, em reação à decisão da Corte Colombiana em descriminalizar o aborto até a 24ª semana de gestão.
Damares e Jair Bolsonaro (PL) fizeram muitos comentários se colocando contra a decisão que, na prática, significa apenas que a interrupção da gravidez sai da esfera penal e punitivista na Colômbia para se apresentar como uma questão de saúde pública. Desde 2006, a interrupção da gestação já era permitida em casos de estupro, má formação fetal incompatível com a vida, risco de vida e de saúde para mulheres.
Mas a nova decisão é importante por vários motivos, como explicou, em conversa com a coluna, a pesquisadora e coordenadora do SPW (Observatório de Sexualidade e Política), Sonia Correa. O primeiro seria concretizar um pedido e uma mobilização que acontece há anos, encabeçada no país pelo movimento Causa Justa, que reúne diversas organizações feministas e LGBTTI. “A ação judicial foi apenas uma das ações estratégicas. Um outro componente crucial foram os diálogos com a sociedade realizados sistematicamente desde que o Causa Justa começou, há pouco mais de dois anos”.
O segundo ponto, lembra Sonia, é que as 24 semanas são importantes porque, embora abortos tardios sejam raros, quem geralmente os demanda são meninas e adolescentes violentadas sexualmente. “O direito à saúde deve ter primazia sobre a lei penal”, defende. Mas não seria de se esperar que a ministra que tentou impedir uma criança que havia sido estuprada por um parente de interromper a gestação garantida por lei no Brasil compreenda isso.
Ou melhor: deveríamos poder contar com a defesa e a garantia de direitos de mulheres e meninas violentadas sexualmente por parte de uma ministra de Estado de um país com altos índices de estupros, mas já sabemos que não podemos.
Como disse Fabiana Moraes em sua última coluna para o “The Intercept Brasil”, a ministra e este governo são bastante seletivos sobre quais crianças querem defender.
Mas voltando a decisão da Corte Colombiana, Sonia Correa ressalta que foi importante também por ter sido a primeira a ampliar o acesso ao aborto na América Latina desde a legalização cubana, na década de 1960; a primeira garantia de direito ao aborto por litígio estratégico; e uma vitória da chamada Onda Verde, movimento que começou mais fortemente na Argentina e foi se espalhando pela região e que pede, essencialmente, por “educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar e aborto legal para não morrer”.
No Brasil, as maiores vítimas do aborto são negras, menores de 14 anos e moradoras da periferia. São elas as que mais morrem após interrupções da gravidez realizadas de forma insegura no país, como mostra esta reportagem publicado no UOL. A informação é repetida como um mantra por pesquisadores, ativistas e profissionais da saúde e assistência social. “O que mata não é o aborto, é a clandestinidade”. Mas a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos faz questão de ignorar esse dado e distorce a narrativa ao declarar que Bolsonaro é o “presidente mais rosa” que o Brasil já teve.
A decisão na Colômbia foi tomada poucos dias depois do Fórum de Madrid em Bogotá, onde estavam reunidas as principais figuras antidireitos da Europa e da América Latina e — isso sim era esperado — enfureceu a direita ultraconservadora do Brasil. Após a malfadada viagem para apertar a mão do presidente russo, Vladimir Putin, Bolsonaro disse que fará todo o necessário para que o aborto nunca seja descriminalizado no Brasil. Mas novamente, não se poderia esperar menos de um presidente que odeia as mulheres.
Não prender ou matar mulheres que interrompem gestações indesejadas, perigosas ou fruto de violência sexual. É sobre isso que se trata a vitória na Colômbia. E é isso que as feministas estão comemorando.