No dia 23 de fevereiro, uma juíza da cidade de Mercedes, do departamento de Soriano, no Uruguai, decidiu contra o direito de uma mulher de realizar um procedimento de aborto já programado. A decisão respondeu a solicitação judicial feita pelo ex-parceiro da mulher de que o aborto fosse adiado para que ele pudesse desafiar legalmente a decisão da interrupção da gestação. A juíza concordou em ouvir o caso, designou um advogado para o feto e o autorizou a questionar a mulher acerca das suas razões para recorrer ao aborto. Em seguida, impetrou o acesso à interrupção da gravidez. O caso gerou uma onda de reações por parte de organizações políticas e grupos de defesa dos direitos das mulheres que apóiam a lei do aborto aprovada em 2012.
Comentando o caso, Margarita Percovich, ex-senadora que atuou ativamente na reforma legal de 2012, afirmou ao jornal Página 12: “A decisão da juíza foi claramente inconstitucional porque não se baseia em nenhuma lei existente e não atende às regulações da lei quanto ao acesso ao aborto”.
A mulher tem 24 anos e estava grávida de 10 semanas quando o caso foi ouvido pela Justiça. Seu advogado, que apresentou o recurso contra a decisão, disse ter sentido “profunda indignação pessoal e profissional” frente aos argumentos utilizados pela juíza. O recurso deveria ser apreciado em até dez dias pois a lei uruguaia permite o aborto até a 12ª semana.
Contudo, no dia 1º de março, o jornal El Observador relatou que a mulher teve um aborto espontâneo. O advogado dela afirmou que, muito possivelmente, isso decorreu da pressão e estresse a que ela estava submetida e apresentou evidência médica comprovando que o aborto foi espontâneo. No dia seguinte, o mesmo jornal noticiou que a mulher irá tomar medidas legais contra a juíza que lhe negou o aborto, de maneira a prevenir que outras mulheres tenham que recorrer à clandestinidade para interromper gestações indesejadas. Segundo ela: “As últimas semanas foram absolutamente terríveis; o mundo todo queria dar uma opinião sobre meu corpo”. O caso talvez chegue à Suprema Corte.
Em um comunicado, publicado no dia 25 de fevereiro, antes do aborto espontâneo ter ocorrido, Lilián Abracinskas, diretora da ONG feminista Mujer y Salud en Uruguay (MYSU), que apóia a mulher nos procedimentos do caso, disse que o tribunal local não tinha o direito de interferir na decisão da mulher. “Está claramente estipulado na lei que ninguém pode interferir na decisão da mulher. O que o tribunal local fez foi tentou reabrir um debate que se encerrou em 2012, tomando uma decisão que não está de acordo com a letra da lei a qual não autoriza o envolvimento dos parceiros na decisão sobre aborto. Não é competência desse nível judicial reescrever a lei. Quando uma juíza lança mão de seu poderes para impor suas crenças e ideologia, temos um problema muito sério”.
A maior preocupação de Lilián Abracinskas é, contudo, que o caso busca criar um precedente para que os homens, parceiros das mulheres que abortam, passem a influenciar suas decisões e recorram à Justiça para exercer controle sobre seus corpos. Além disso ela considera que: “ Não é coincidência que o caso tenha acontecido em Soriano, que é um dos últimos bastiões de resistência à lei de 2012. Nessa região do país, 100% dos ginecologistas são objetores de consciência”.
Este post foi traduzido a partir de nota publicada originalmente pela International Campaign for Women’s Right to Safe Abortion (http://www.safeabortionwomensright.org/young-woman-denied-a-legal-abortion-may-take-legal-action-against-judge-in-uruguay/)