Nos dias 11 e 12 de abril, ocorreu no Rio de Janeiro o seminário “Mapeando e resistindo ao fantasma do gênero na América Latina: geografias dos movimentos antigênero”, organizado pelo Observatório de Sexualidade e Política (SPW), em parceria com a London School of Economics and Political Science, o Arts & Humanities Research Council, e apoiado pelo BRICS Policy Center (PUC-Rio). O evento foi o segundo de uma série de quatro workshops do projeto “Movimentos Transnacionais e Resistência ‘Antigênero’: Narrativas e Intervenções”, liderado pelas professoras da LSE Clare Hemmings e Sumi Madhok. Contou com participação de ativistas e pesquisadoras/es nacionais e internacionais, como Alyosxa Tudor (SOAS), Andrea Dip (Universidade Livre de Berlim), Mauro Cabral (Global Philanthropy Project), Sayak Valencia (Colégio de Frontera Norte, México), Flavia Rios (UFF, Cebrap), Bruna Benevides (ANTRA) E, incluiu um debate com parlamentares feministas do Rio De Janeiro: Luciana Boiteux, Dani Balbi e a ex deputada estadual Mônica Francisco. Na ocasião, também foi feito o lançamento da Revista SUR Número 32, apresentado por Mary Grisales (Conectas).
“Foi a oportunidade ideal para compartilhar estratégias de resistência e construção de comunidades, que foram e continuam sendo fundamentais para oferecer alternativas aos antifeminismos de direita e de esquerda”, ressaltou Clare Hemmings, da LSE. “Como uma das acadêmicas do norte global que teve o privilégio de participar, saí do evento cheia de esperança: não que o ativismo antigênero vá desaparecer em breve, mas que fazemos parte de uma coalizão transnacional comprometida com a resistência, com o desenvolvimento de formas alternativas de pensar e viver”, reforçou.
Flávia Rios, socióloga e Diretora do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, foi uma das painelistas do Triálogo que encerrou o primeiro dia do seminário: “A riqueza do evento foi concentrar os esforços da academia e dos ativismos na tentativa de compreender, sobre diferentes ângulos, a natureza das políticas e discursos antigênero na América Latina. Meu painel, em particular, colocou em diálogo visões e realidades distintas para conversar sobre a temática de gênero. Foram duas pontas distintas das Américas, no caso o Brasil e o México. Saber que, apesar das particularidades desses países, estamos vivendo todas sob a ameaça de uma onda conservadora e extremista que busca nos calar é algo que merece nossa atenção e monitoramento cuidadoso!”.
Ana Paula Sciammarella, professora da UNIRIO e mediadora de um dos painéis, também sublinhou a relevância de “um espaço de conexões entre diferentes atores, que há muito tempo não era possível realizar. A possibilidade de realização de um encontro híbrido ampliou a participação, ao mesmo tempo que fortaleceu vínculos e conexões dos que compareceram presencialmente.”
Ao longo dos dois dias de debate, foram exploradas as políticas antigênero da região, bem como as conexões transnacionais, as políticas globais e as convergências com outros recortes sociais, como racismo e colonialidade. As resistências regionais e legislativas tiveram destaque, a fim de traçar um quadro completo sobre a realidade complexa da ofensiva antigênero transnacional, mas também de desenhar perspectivas futuras positivas e seguras para todes.
Foi muito importante podermos nos reunir, pois isso permitiu que pessoas com trabalhos relacionados se juntassem e tivessem uma conversa conjunta. Isto é, reunir diferentes áreas de trabalho, mas dentro de uma grande estrutura de preocupação diante do avanço dos agentes antigênero. Toda essa multiplicidade de pontos de vista de diferentes origens, mas com esse interesse comum, nos permite ter uma visão mais abrangente e matizada. Também foi importante poder nos encontrarmos, nos conhecermos melhor, conversarmos. Isso nos fortalece para além das perspectivas teóricas e políticas que possamos compartilhar, porque acredito que há também parte do trabalho da direita que visa criar uma atmosfera apocalíptica de impotência, de mesquinhez, desânimo e desespero. O que ficou evidente naqueles dias foi que, diante de tudo isso, ainda temos a alegria de lutar, de construir alternativas diferentes, a esperança de que podemos fazer alguma coisa. – Maria Luisa Peralta (Argentina)
Na visão de Marco Aurélio Máximo Prado, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+ (NUH/UFMG), “o saldo, além de consolidar ação e uma rede transnacional de apoio e enfrentamento às ofensivas, também foi significativo por revelar tanto o avanço de estudos nesse campo, quanto a necessidade de aprofundamento de temas que, de forma heterogênea, se agregam nas ações ofensivas contra gênero. Foi realmente uma imersão fundamental para seguirmos com posições mais articuladas e mais refinadas de compreensão deste momento histórico tão desolador”.
“O seminário me permitiu ter uma visão panorâmica da genealogia dos movimentos antigênero e do papel específico que esses movimentos estão desempenhando na América Latina e no Caribe. Entender que, mesmo que tenham surgido simultaneamente na Europa e na América Latina, na América Latina eles têm uma especificidade. [O evento] também nos permitiu perceber os vínculos desses movimentos com outros tipos de problemas e realidades, como a desdemocratização, a perda da democracia, dos valores democráticos, os vínculos com o aprofundamento das desigualdades e como também estão influenciando a maneira de pensar das sociedades. Nesse sentido, foi um espaço muito enriquecedor para a compreensão da geopolítica da política antigênero. Saio com a necessidade de ter um olhar mais crítico dentro do próprio movimento feminista, reconhecendo as fraturas que existem na maneira de abordar a realidade, os problemas e as categorias de análise. Nesse sentido, acho que é importante reconhecer que estamos enfrentando realidades muito duras e terríveis, mas também processos de esperança. Processos que nos aproximam de um futuro de esperança, porque, como disse Monica Roa, estamos fazendo essa mudança e estamos conseguindo complexificar as narrativas com diferentes visões, reconhecendo a multicausalidade dos processos e tornando as mudanças possíveis não pela ingenuidade, mas através de uma análise mais crítica e complexa”, ressaltou Morena Herrera, fundadora e presidente da Associação Cidadã pela Descriminalização do aborto em El Salvador. Morena compôs a mesa sobre Resistências no segundo dia do evento.
Os melhores momentos de todos os painéis serão postados no canal de Youtube do SPW em breve. Para saber mais sobre o projeto, recomendamos o texto da pesquisadora Clare Hemmings, da LSE, disponível aqui. Confira algumas fotos: