O 28 de setembro e o cenário brasileiro
Por Fábio Grotz
Nas semanas que precederam o 28 de Setembro, Dia Global de Ação pelo Acesso ao Aborto Seguro e Legal, o noticiário brasileiro deu amplo destaque para as mortes de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, 27 anos, e Elisângela Barbosa, 32 anos, após complicações decorrentes de abortos clandestinos e inseguros realizados na região metropolitana do Rio de Janeiro. Essas mortes trágicas são efeitos de uma legislação penal restritiva que afeta sobretudo as mulheres mais pobres, mas não apenas elas. O aborto é a quinta causa de morte materna no Brasil, sendo que, no Rio de Janeiro, é a terceira.
As duas mortes se adicionam à lamentável crônica de retrocessos que assistimos no país em anos recentes no que diz respeito aos direitos reprodutivos. Como destaca o jornalista Xico Vargas, em 2004, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) mobilizou a criação de uma comissão para discutir a reforma visando à legalização do aborto no Brasil, cujo resultado, por efeito de pressões conservadoras e das difíceis condições políticas de 2005 (Mensalão), não teve o apoio necessário do Executivo para tramitar. Desde então, têm sido observadas regressões importantes no âmbito de políticas sobre aborto, de que foi exemplo a suspensão da Portaria 415, em maio de 2014. Sobretudo, registra-se a moralização crescente do debate público sobre aborto, a intensificação da criminalização de mulheres, assim como o fechamentos de clínicas, tornando o acesso ao procedimento mais difícil e sua realização cada vez mais arriscada.
As mortes de Jandira e Elizângela trouxeram para as manchetes os efeitos dramáticos dessas tendências, fazendo do aborto um tema que nesse momento disputa espaço com as eleições no debate público. O jornal O Globo, tradicionalmente refratário à legalização do aborto, tem, por exemplo, realizado uma cobertura ampla numa perspectiva diferente do tratamento habitual, enfatizando que o aborto precisa ser discutido sem hipocrisia e sublinhando que a pressão de grupos religiosos tem dificultado o debate e levado o poder público a se omitir na questão. Eliane Cantanhêde, na Folha de São Paulo, pergunta por que a Secretária de Políticas para Mulheres não tem dado importância à questão.
Contudo, como sublinha corretamente o editorial da Comissão de Cidadania e Reprodução, de maneira geral, autoridades públicas e atores políticos silenciaram sobre essas duas mortes trágicas. No debate eleitoral em curso, candidatos minoritários, como Luciana Genro (PSOL) e Eduardo Jorge (PV), têm feito propostas de descriminalização da prática, enquanto setores conservadores radicais fazem ataques abertos ao aborto e pedem para que o eleitorado não vote em quem apoia a legalização da interrupção da gravidez. Já no âmbito dos candidatos majoritários, o que prevalece é o silêncio.
Vale lembrar que o cenário brasileiro não é singular. Debates acirrados sobre aborto estão acontecendo em muitos outros países. Por exemplo, na Espanha, o governo conservador, por pressão dos grupos favoráveis ao direito ao aborto, foi obrigado a recuar de projeto de lei que restringiria o direito à prática.
É, sobretudo, muito positivo registrar de que também no Brasil as mortes de Jandira e Elisângela mobilizaram a sociedade. A Anistia Internacional lançou um apelo para que o aborto seja debatido como questão de saúde pública. As Católicas pelo Direito de Decidir divulgaram nota cobrando dos candidatos o dever ético e político de dar a devida atenção à saúde das mulheres. E, por fim, feministas do Rio de Janeiro lançaram uma campanha internacional via AVAAZ, clamando pela legalização do aborto no Brasil. O SPW convida parceir@s e leito@s a assinarem a petição para vencer o silêncio que ainda persiste em relação ao aborto e possibilitar às mulheres brasileiras o pleno direito de decidir.
Também reunimos artigos publicados, no Brasil e no exterior, sobre as mortes de Jandira e Elizângela e suas conexões como o momento político brasileiro, dando destaque também para a repercussão internacional.