Por Jacqueline Pitanguy
Senhoras e Senhores Parlamentares
Não fechem as portas do Congresso Nacional às Mulheres. Há 30 anos entregamos ao Presidente dessa Casa, Dr. Ulisses Guimarães, a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes, que representava a culminação de uma longa campanha para assegurar os direitos das mulheres na nova Constituição pois ainda éramos, nas leis e na vida, cidadãs de segunda categoria no Brasil.
Esse foi um capítulo vitorioso na história da luta das mulheres por seus direitos. Cerca de 80% das nossas proposições foram incorporadas no texto constitucional, outras levaram a mudanças nos códigos civil, penal, em legislações complementares, ou resultaram na criação de novas leis e políticas publicas. Lutamos muito para que nossas demandas fossem acolhidas, como a extensão da licença maternidade para 4 meses, a licença paternidade, a igualdade de direitos entre homens e mulheres na sociedade conjugal e na família, o direito a saúde e a escolhas na vida reprodutiva , o direito a proteção do Estado no que se refere à violência intrafamiliar, direitos trabalhistas e benefícios sociais para empregadas domesticas e trabalhadoras rurais, dentre outros.
Naquele momento as portas do Congresso estavam abertas para as mulheres. Percorremos corredores, gabinetes e plenárias, reivindicando o reconhecimento do déficit histórico de cidadania que nos acompanhava ao longo dos séculos.. Nossa luta foi vitoriosa e o Congresso Nacional desempenhou papel fundamental na garantia de nossos direitos.
Hoje parece se encerrar esse ciclo virtuoso de afirmação de direitos. É necessário se fazer uma reflexão crítica sobre o impacto negativo de fundamentalismos e extremismos na sua atuação enquanto legisladores. Por conveniência, omissão ou desconhecimento, a maioria dos integrantes do parlamento tem estabelecido pactos e alianças que podem levar a um desmonte dos direitos já adquiridos por cidadãos e cidadãs desse país. Em nome de determinados dogmas religiosos ou preceitos advindos de uma posição de suposta superioridade moral, congressistas tem se empenhado em impor uma visão monolítica das relações sociais, da cultura, da sexualidade , da reprodução, desrespeitando o caráter plural de crenças, valores, culturas, religiões, que caracterizam a sociedade brasileira. É inaceitável, por exemplo, que o conceito de gênero, seja banido de planos de educação pelo Congresso Nacional, ferindo o direito universal de acesso ao progresso da ciência. É também inaceitável a proposição de Estatutos que desconhecem a variedade de formas de famílias existentes na sociedade brasileira.
Isso acontece porque corrente significativa de parlamentares atua no sentido de restringir, cercear e eliminar direitos , enquanto a maioria se cala, cumplice desse retrocesso. Esses parlamentares parecem estar perdendo o sentido de nacionalidade, ou pertencimento a um pais caracterizado por grande diversidade de raça e etnia, classe social, credos religiosos, espiritualidades, valores culturais, tradições e identidades. Parecem colocar em segundo plano a defesa do caráter laico do Estado Brasileiro, único garantidor da livre expressão dessa diversidade e da liberdade religiosa.
Nesse processo de politização da religião e de avanço de um conservadorismo que se propõe a regular o comportamento da população brasileira nos moldes de seus credos, o corpo sexual e reprodutivo das mulheres tem sido alvo preferencial. O resultado da votação sobre o relatório da PEC 181/2015 na Comissão Especial da Câmara que .na prática, proíbe o abortamento em casos de estupro, de gestação de feto anencéfalo e de risco de vida da mulher, foi aclamado por 18 parlamentares homens.
Ainda que não definitiva, essa cena foi exemplo vergonhoso do ambiente retrógado contra o qual as mulheres brasileiras na extensão geográfica de nosso território e das mais diversas formas, , vêm se manifestando. Outras proposições semelhantes circulam no Congresso violando princípios universais garantidores da vida, da dignidade humana, da integridade e da saúde física e mental das cidadãs de brasileiras.
Senhores e Senhoras parlamentares, não fechem as portas do Congresso Nacional às mulheres. A PEC 181 voltará à pauta em 2018 e uma eventual aprovação dessa proposta, tal como está formulada, significaria o Congresso Nacional passando de garantidor a demolidor de nossos direitos.
*Jacquline Pitanguy é socióloga e foi Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher durante a Constituinte.
** Este artigo foi originalmene publicado no Correio Brasiliense no dia 20 de dezembro de 2017.