O estado de Roraima falha na investigação e responsabilização dos agressores
(São Paulo) – As autoridades do estado de Roraima estão falhando em investigar e promover a devida responsabilização nos casos de violência doméstica, deixando as mulheres em maior risco de sofrerem abusos, afirmou a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje. Os graves problemas encontrados em Roraima, estado com a maior taxa de homicídio de mulheres no Brasil, refletem falhas em todo o país na oferta de real oportunidade de acesso à justiça e proteção às vítimas de violência doméstica.
O relatório de 26 páginas, “‘Um dia vou te matar’: impunidade em casos de violência doméstica no estado de Roraima“, analisa problemas sistemáticos na resposta do estado à violência doméstica. A Human Rights Watch documentou 31 casos de violência doméstica e entrevistou vítimas, policiais e autoridades do sistema de justiça. A organização identificou falhas em todas as fases da resposta do Estado à violência doméstica.
“Muitas mulheres em Roraima sofrem abusos e violentas agressões durante anos antes de reunirem coragem suficiente para procurar a polícia. E, quando o fazem, a resposta das autoridades é péssima”, disse Maria Laura Canineu, diretora do Brasil na Human Rights Watch. “Enquanto as vítimas de violência doméstica não obtiverem ajuda e justiça, seus agressores continuarão as agredindo e as matando.”
A taxa de homicídio de mulheres aumentou 139 por cento entre 2010 e 2015 em Roraima, chegando a 11,4 homicídios por 100 mil mulheres em 2015, o último para o qual há dados disponíveis. A média nacional é de 4,4 assassinatos para cada 100 mil mulheres, o que já é uma das taxas mais elevadas do mundo. Estudos no Brasil e em outros países estimam que grande porcentagem das mulheres são assassinadas por parceiros ou ex-parceiros.
Apenas um quarto das mulheres que sofrem violência no Brasil reportam a agressão, de acordo com uma pesquisa de fevereiro de 2017, a qual não discrimina os dados por estado. A Human Rights Watch descobriu que mesmo quando as mulheres em Roraima contatam a polícia, enfrentam obstáculos consideráveis para terem os seus relatos ouvidos.
O coordenador estadual de polícia comunitária e direitos humanos da polícia militar do estado de Roraima contou à Human Rights Watch que, devido à falta de efetivos, não consegue deslocar agentes para responder a todas as ligações de emergência de mulheres que relatam estar sofrendo violência doméstica.
Outras mulheres vão à delegacia, mas são orientadas a ir embora. Alguns agentes da polícia civil em Boa Vista, capital do estado, se recusam a registrar um boletim de ocorrência de violência doméstica ou solicitar medidas protetivas, concluiu a Human Rights Watch. Em vez disso, eles direcionam as vítimas para a única Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher no estado, mesmo nos horários em que se encontra fechada.
Mesmo quando a polícia registra as denúncias, as mulheres têm que contar suas histórias de abuso, incluindo abusos sexuais, no ambiente aberto da recepção, pois em nenhuma delegacia do estado há salas privativas para colher seus depoimentos.
Nenhum policial civil em Roraima recebe qualquer treinamento para lidar com casos de violência doméstica. É evidente a falta dessa formação, segundo constatou a Human Rights Watch. Alguns policiais, ao atenderem mulheres em busca de medidas protetivas, redigem suas declarações de forma tão descuidada que faltam informações básicas necessárias para os juízes decidirem sobre a concessão da medida protetiva.
A polícia civil não consegue dar conta do volume de ocorrências que recebe. Em Boa Vista, a polícia não conduziu nenhuma investigação em 8.400 boletins de ocorrência de violência doméstica que estão acumulados. A maioria dos casos se arrastam por anos e eventualmente são arquivados em razão da prescrição dos crimes – sem que alguém seja formalmente denunciado, segundo a polícia.
Taise Campos, uma professora de 38 anos, contou à Human Rights Watch que registrou mais de 15 boletins de ocorrência para denunciar repetidos atos de agressão física e verbal por parte do ex-marido. Contudo, houve a prescrição antes que ele fosse julgado pelos supostos crimes. “A pessoa que está do outro lado, que é a que precisa de ajuda, desacredita no Judiciário”, afirmou Taise.
O Brasil tem normas abrangentes para prevenir a violência doméstica e garantir a justiça quando ocorrem abusos, estabelecidas pela Lei Maria da Penha de 2006. Mas ainda falta implementar adequadamente muitos de seus dispositivos.
A lei, que recebeu o nome de uma vítima que levou seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos perante a falta de resposta por parte das autoridades do Brasil, previa a expansão de delegacias especializadas da mulher e de núcleos de atendimento às vítimas de violência doméstica dentro de delegacias comuns. No entanto, essas unidades permanecem concentradas nas grandes cidades e muitas vezes são de difícil acesso para mulheres que vivem em outras regiões. Esses núcleos também estão sobrecarregados, servindo em média uma população de 210.000 mulheres cada um.
A lei também permite aos juízes determinar que os suspeitos de abuso mantenham distância da residência da mulher e que não entrem em contato com ela ou seus familiares, entre outras medidas de proteção. Mas a polícia não monitora a grande maioria das medidas protetivas.
As autoridades de Roraima — e do Brasil como um todo — precisam reduzir as barreiras para as mulheres denunciarem as ocorrências à polícia, disse a Human Rights Watch. Além disso, as autoridades devem assegurar que os casos de violência doméstica sejam documentados adequadamente no momento em que as mulheres fazem a denúncia, para então serem investigados e seguirem o devido processo criminal. As autoridades precisam destinar mais esforços e recursos para treinamentos e investigações – e punir policiais que falharem no cumprimento de suas funções.
“Apesar de Roraima apresentar a maior taxa de homicídio de mulheres no país, seus problemas refletem falhas na proteção das mulheres contra a violência em todo o país”, disse Maria Laura. “A Lei Maria da Penha foi um grande avanço, mas após uma década, sua implementação permanece lamentavelmente insuficiente em grande parte do país”.