Numa tribuna publicada no jornal francês Le Monde na segunda-feira, 6 de maio de 2019, um coletivo de acadêmicos dentre os quais estão Judith Butler, Eric Fassin, David Paternotte, Achille Mbembe, Wendy Brown, Joan Scott, entre tantos outros, alarma contra a decisão do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de suprimir os recursos federais aos estudos de sociologia e filosofia, por conta do “retorno imediato ao investimento”.
O jornal O Globo cobriu essa iniciativa no artigo Intelectuais de Harvard, Princeton, Sorbonne e outras universidades assinam manifesto contra Bolsonaro. Foi também objeto de artigo na openDemocracy.
Sociologia e filosofia sob ataque no Brasil
Educação como recurso econômico e valor democrático
No dia 29 de abril de 2019, o presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, confirmou por Twitter o que no dia anterior já havia anunciado o Ministro da Educação, Abraham Weintraub: seu governo planeja reduzir o financiamento federal para programas acadêmicos em sociologia e filosofia. Segundo eles, nesses campos, futuros estudantes terão que pagar por sua própria formação. Enquanto o Ministro afirmava que sua proposta havia sido orientada por medidas tomadas no Japão em 2015, o Presidente insistia que a educação deveria se concentrar na leitura, na redação e na aritmética e que, em lugar dos cursos na área de humanidades, o estado deve investir nas áreas que tragam retornos imediatos para quem paga impostos, tais como veterinária, engenharia e medicina.
Nós, signatários desta declaração, fazemos um alerta quanto às sérias consequências de tais medidas que, inclusive, levaram o governo do Japão a recuar de suas propostas depois de um amplo protesto nacional e internacional.
Em primeiro lugar, porque a educação em geral e a educação superior, em particular, não trazem retornos imediatos; constituem um investimento no futuro das novas gerações.
Segundo, as economias modernas não exigem apenas técnicos especializados; nossas sociedades precisam de cidadãs e cidadãos que tenham uma formação ampla e geral.
Terceiro, nas nossas sociedades democráticas, os políticos não devem decidir o que é a boa ou a má ciência. A avaliação do conhecimento e de sua utilidade não pode ser conduzida de modo a conformar-se com as ideologias de quem está no poder.
As ciências sociais e as humanidades não são um luxo; pensar sobre o mundo e compreender nossas sociedades não devem ser privilégio dos mais ricos. Como acadêmicos dos mais diversos campos, estamos plenamente convencidos de que nossas sociedades, incluindo o Brasil, precisam de mais e não menos educação. A inteligência coletiva é tanto um recurso econômico quanto um valor democrático.
No Brasil, assinam entre outros nomes:
Anna Uziel (psicóloga, UERJ, Brasil), Berenice Bento (socióloga, UNB), Carla Rodrigues (filósofa, UFRJ), Gloria Ferreira (Artes, UFRJ), Gustavo Gomes da Costa (cientista político, UFPE), Heloisa Buarque de Almeida (cientista social, USP), Larissa Pelucio (antropóloga, UNESP, São Paulo), Maria Filomena Gregori (antropóloga, Unicamp, São Paulo, presidente da ABA, Brasil), Maria Juracy Tonelli (psicóloga, UFSC), Marco Prado (psicólogo, UFMG), Paula Sandrine Machado (antropóloga, UFRGS), Richard Miskolci (sociólogo, Unifesp, São Paulo, Brasil), Sérgio Carrara (antropólogo, IMS/UERJ), Sonia Corrêa (antropóloga, Sexuality Policy Watch).
Os signatários internacionais:
Etienne Balibar (filósofo, Paris-Nanterre), Seyla Benhabib (filósofa, Yale, EUA), Michel Bozon (sociólogo, INED), Wendy Brown (cientista política,Berkeley, EUA), Judith Butler (filósofa, Berkeley), Muriel Darmon (presidente da Associação Francesa de Sociolofia), Didier Fassin (antropólogo, Instituto de Estudos Avançados, Princeton, EUA), Eric Fassin (sociólogo Paris-VIII), Zeynep Gambetti (cientista político, universidade de Bogazici, Istambul, Turquia), Sabine Hark (socióloga, TU Berlin, Alemanha), Bernard Lahire (sociólogo, Ecole normale supérieure [ENS], Lyon), Catherine Malabou (filósofa, universidade de Kingston, Londres, Grã Bretanha), Achille Mbembe (cientista político, universidade de Witwatersrand, África do Sul), David Paternotte (cientista político, Université libre de Bruxelles, Bélgica), Mario Pecheny (cientista político, universidade de Buenos Aires, Conicet, Argentina), Joan W. Scott (historiadora, Institute for Advanced Study, Princeton, EUA), Gita Sen (economista, Bangalore, Índia), Lynn Stephen (anthropóloga, universidade de l’Oregon, presidente da LASA, EUA), Sylvia Tamale (jurista, Makerere, Uganda), Mara Viveros Vigoya (anthropóloga, universidade da Colombia em Bogota, vice-presidente da LASA).
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Essa carta foi uma iniciativa da organização Gender International, uma rede em defesa dos estudos de gênero e sexualidade, especialmente ameaçados em tempos de cruzadas antigênero, que havia pressionado as autoridades húngaras contra a medida que cortou o financiamento dos programas de pós-graduação em estudos de gênero no país.
Foto: AP Photo/Silvia Izquierdo