O cenário nas casas legislativas é dramático. Avançam projetos de lei que agravam a penalização total do aborto, através de esforços coordenados. Fortalecida, a bancada de extrema direita ocupa posições estratégicas em comissões e relatorias, onde se aproveitam de brechas para dar celeridade à tramitação dessas proposições. Destacamos as mais críticas para nossa pauta:
PLs que ampliam a criminalização:
PL 2893/2019 – de Chris Tonietto (PSL/RJ) e Filipe Barros (PSL/PR) – Revoga o art. 128 do Código Penal, passando a punir o aborto praticado por médico mesmo nos casos de risco de vida para a mulher ou gravidez resultante de estupro.
PL 1923/ 2019 – do Senador Fabiano Contarato (REDE/ES) – Altera o Código Penal para prever o crime de lesão corporal da vida humana intrauterina, inclusive na modalidade culposa. O PL 1923/2019 está apensado, junto com mais de 100 outras proposições, ao PL 236/2012, que trata da Reforma do Código Penal Brasileiro. Tramita na CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania e aguarda parecer do relator, Senador Rodrigo Pacheco (MDB/RO). Na Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Fernando Holiday (Movimento Brasil Livre/MBL) propôs um projeto de lei que determina obrigatoriedades inconstitucionais para mulheres grávidas por estupro que querem realizar um aborto.
Outras tentativas são no sentido de instalar exigência do Boletim de Ocorrência para acesso a serviços de aborto legal, desqualificando a palavra da mulher e o princípio de presunção de inocência, recolocando o aborto como caso de polícia.
Propostas de Emenda Constitucional que instituem o direito à vida desde a concepção:
PEC 164/ 2012 – de Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e João Campos (PSDB/GO) – Altera o Art. 5o da Constituição para estabelecer o direito à vida desde a concepção. Desarquivado em fevereiro de 2019, aguardando designação de Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
PEC 181/ 2015 – do então senador Aécio Neves (PSDB/ MG) – Altera o Art. 7o da Constituição Federal para dispor sobre a licença-maternidade em caso de parto prematuro. Essa PEC é também conhecida como “Cavalo de Tróia”, pois apesar do seu texto tratar da licença maternidade, o relator deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP) apresentou um substitutivo que altera o Art. 1o e o Art. 5o da Constituição, incluindo o “direito à vida desde a concepção”. Aguarda Criação de Comissão Temporária pela MESA da Câmara.
PL 891/2015 – do deputado Flavinho (PSB/SP) – “Estabelece as políticas públicas no âmbito da saúde sexual e dos direitos reprodutivos e dá outras providências”, garantindo a inviolabilidade da vida do nascituro. Tramita apensado, junto com outras 15 proposições, ao PL 313/2007 que trata do planejamento familiar. Foi desarquivada em fevereiro de 2019 e aguarda o parecer do relator Diego Garcia (PODE/PR), na CSSF – Comissão de Seguridade Social e Família.
PLs que propõem alteração do estatuto do embrião e do feto:
PL 3406/ 2019 – do Senador Eduardo Girão (PODE/CE) – Dispõe sobre o Estatuto da Gestante e da Criança por Nascer. No Art. 2o explicita que “o conceito de criança por nascer compreende todo o período de gestação, a partir do momento da concepção, incluindo os seres humanos concebidos ’in vitro’, mesmo antes da transferência para o útero da mulher”. Tramita na CAS – Comissão de Assuntos Sociais, sendo relatora a senadora Juíza Selma (PSL/MT).
PL 478/ 2007 – de Luis Bassuma (PT/ BA) e Miguel Martini (PHS/MG) – Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências; foi desarquivado em fevereiro de 2019 e encontra-se na CMULHER – Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher aguardando designação de relator. Apensadas a este tramitam mais 14 proposições que tratam da “proteção ao nascituro” ou propõem aumento de pena para a mulher que recorra ao aborto.
Em pauta no Senado Federal
PEC 29/ 2015 – do então senador Magno Malta (PL-ES) e outros – Altera o artigo 5o da Constituição para determinar a “inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção”. Este ano (2019) esta PEC chegou a ser discutida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em duas sessões. Na primeira (24/04) a relatora Senadora Selma Arruda (PSL-MT) apresentou parecer favorável à aprovação do texto. As emendas foram apresentadas para inclui no texto duas das exceções, vigentes no marco legal brasileiro, que eximem de punição os casos de aborto em que a gravidez resulta de estupro ou representa risco de morte para a gestante. Esta proposta de inclusão desestabilizou a base de apoio da PEC, que não quer admitir a interrupção da gestação em nenhuma circunstância. A última sessão aconteceu no dia 8/05, quando a relatora pediu para rever o texto, e a PEC não entrou mais em pauta na CCJ. Apesar do que foi considerado, temporariamente, uma vitória, a PEC 29 ainda está tramitando e pode voltar à pauta a qualquer momento.
A coalizão de forças no poder atuará, nos próximos meses, interpondo mais entraves às políticas de saúde que efetivam os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, articulando a produção de consensos normativos em torno da criminalização total do aborto.
São evidências:
– o escasseamento de métodos contraceptivos e a negativa de acesso à contracepção de emergência com falsa alegação de que é um procedimento abortivo e, portanto, ilegal;
– a Resolução no 2232/ 2019 do Conselho Federal de Medicina, que retira a soberania da mulher gestante sobre alternativas terapêuticas, alegando que esta soberania se trata de ‘abuso de direito’, em detrimento da vida do feto;
– casos de morte materna por risco gestacional em análise por comitês de Morte Materna permitem supor que mulheres provavelmente, não recebem orientação para a opção de recurso ao aborto legal para salvar suas vidas, como prevê o Código Penal Brasileiro de 1940;
– nos conselhos de saúde, assistência e criança e adolescente, nas conferências de políticas e em outras áreas, a presença de fundamentalistas religiosos cristãos é crescente; atuam na biopolítica de controle e domesticação das mulheres, mas também defendendo acesso ao fundo público para suas organizações beneficentes.
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