Mapeamento do debate jornalístico aponta abordagem favorável ao direito
por Clara Faulhaber, Fábio Grotz e Sonia Corrêa
O final do ano de 2020, mais especificamente o mês de dezembro, foi marcado por uma histórica conquista para o feminismo latino-americano com a aprovação da Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) na Argentina, que legaliza o aborto até a 14ª semana de gestação. Isso significa que o Estado vizinho passa a reconhecer a maternidade como um direito e não como uma obrigação, além da nova legislação representar uma medida concreta para enfrentar a morte de mulheres por abortos clandestinos e inseguros, assim como para reduzir as internações que colocam em risco a vida da gestante. Porém, muitos desafios ainda estão postos no horizonte, tais como a regulamentação e a implementação da lei.
Nesse contexto, o clipping de notícias feito sistematicamente pelo projeto conjunto entre Cfemea e SPW sobre direitos ao aborto no Brasil realizou um levantamento extenso – notícias, notas, artigos de opinião, reportagens e podcasts – publicados ou divulgados em veículos impressos e digitais no período de 1º de dezembro de 2020 até 3 de janeiro de 2021, sobre o debate e a aprovação do direito ao aborto na Argentina. No total, foram 334 registros, de 99 veículos diferentes, classificados como favoráveis (‘registros’ com claro posicionamento editorial favorável ao aborto), contrários (‘registros’ com evidente posicionamento editorial contrário ao aborto), neutros (‘registros’ com claro posicionamento editorial neutro com relação ao aborto) e internacionais (‘registros’ extraídos de veículos internacionais captados pelo Google Search ou por busca ativa). Veja aqui a lista completa de veículos que publicaram sobre o tema.
A partir dessa categorização, percebemos que a maioria dos registros são neutros (170), seguidos de favoráveis (96) e contrários (42) e, por fim, temos as notícias internacionais (26). Observa-se que o número de registros favoráveis ao direito ao aborto é o dobro dos contrários.
Dentre os 99 veículos que publicaram sobre o tema, podemos observar que muitos publicaram apenas uma matéria a respeito da reforma legal na Argentina, o que revela a prevalência de abordagens factuais e episódicas, não havendo um acompanhamento sistemático e analítico do tema ao longo do mês estudado. Em contraste, em outros veículos, tais como Revista Isto É e Folha de Pernambuco, além dos principais jornais do Sudeste, contabilizam-se mais de 10 notícias publicadas sobre a questão, o que resulta num panorama mais reflexivo e detalhado da política do direito ao aborto na Argentina.
A tabela acima identifica os vinte veículos que mais publicaram sobre o tema. É importante destacar que os veículos tidos como confessionais ou religiosos, como Acidigital e Pleno News, ficaram entre os 20 veículos que noticiaram, e com viés contrário a reforma legal. Outro veículo que também está nesse grupo é o Gazeta do Povo e as cinco publicações sobre o tema nesse jornal três são contrárias, sendo que uma delas alerta, abertamente, quanto a um potencial contágio da legalização do aborto na Argentina no contexto brasileiro.
Das 334 entradas compiladas no total, 87 vieram dos jornais de grande circulação. É interessante comparar os diferentes posicionamentos no interior de cada jornal. Majoritariamente, as matérias foram favoráveis ou neutras. Porém, nesse conjunto, é interessante registrar que três conteúdos contrários à legalização do aborto foram publicados pela Folha de São Paulo. Dois deles foram cartas de leitores criticando a aprovação da lei e um foi a opinião da colunista Catarina Rochamonte no artigo “Aborto: opção pela morte”, que se posicional radicalmente contra qualquer possibilidade de interrupção da gravidez.
Essa breve análise informa que na cobertura do debate social e legislativo sobre o direito ao aborto na Argentina, predominaram reportagens, análises e artigo de opinião objetivas e qualificados e quanto a posicionamento de veículos e colunistas prevaleceram visões favoráveis. Isso é muito positivo não somente no que diz respeito aos direitos reprodutivos, mas também como contenção do processo de desdemocratização de que essas forças que se opõe ao direito de decidir, como bem afirmam Maria Alícia Gutierrez e Sonia Corrêa, no artigo “Reforma legal do aborto na Argentina foi uma vitória dos feminismos e da democracia”, publicado no jornal O Globo, têm sido combustível inequívoco, mais especialmente, no Brasil.
Para acessar o contéudo coletado e analisado clique aqui!
Imagem: Rajnia de Vito